A Aids 2024 foi um grande congresso. Inspirador, provocador e com novidades que podem mudar a história futura do HIV. A conferência ocorreu na cidade de Munique, reunindo pacientes, cientistas, ONGs, políticos e até economistas, com uma premissa muito bem escolhida para nortear as discussões: colocar as pessoas na frente (#putpeoplefirst).
No cenário da prevenção, uma descoberta histórica que entrará na linha do tempo do HIV foi o maior destaque do ano e do congresso: os resultados preliminares do estudo PURPOSE 1. Usando uma tecnologia de longa duração (Lenacapavir), aplicada subcutaneamente apenas duas vezes por ano, obteve-se uma taxa de sucesso de 100% na prevenção da infecção pelo HIV em mulheres cisgênero na África. No entanto, ainda existem questões sobre a implementação dessa tecnologia em países de baixa renda, o custo inicial da medicação e a necessidade de esperar os resultados de subestudos (PURPOSE 2) em outras populações.
Outra grande discussão foi sobre como podemos e devemos ampliar, facilitar e desmedicalizar a PrEP oral. PrEP não é luxo, é uma necessidade! Muitas experiências fantásticas de ampliação de acesso, projetos com jovens e com inteligência artificial foram apresentados.
No cenário das ISTs, uma nova possibilidade foi apresentada com a DoxyPrEP (uso de antibióticos antes da exposição sexual) como uma estratégia para a redução de sífilis e clamídia. Foi um estudo pequeno feito no Japão, mas que abre espaço para mais estudos e avaliações dessa modalidade. O potencial aparecimento de resistência com o uso de DoxyPEP e DoxyPrEP ainda preocupa, mas não deve ser uma barreira para a construção de guias para a vida real.
Muitos trabalhos e pesquisas brasileiras foram destaque na Aids 2024, enchendo-nos de orgulho com a presença da Fiocruz, equipe do Ministério da Saúde, e da Prefeitura de São Paulo, entre outros profissionais brilhantes.
Com relação à cura, mais um caso (o sétimo) foi apresentado, obtido através da tecnologia de transplante de medula óssea. A novidade foi que, dessa vez, o doador não era homozigoto para delta/32. O quarto paciente curado esteve presente na conferência e ministrou uma palestra emocionante, destacando todos os problemas de um transplante e a vida real duríssima de alguém curado do vírus, mas com muitos novos problemas pós-transplante.
Também foram apresentados estudos e perspectivas sobre os mecanismos visando à redução dos chamados reservatórios do HIV, com drogas e terapia gênica que têm como alvo os fatores de transcrição viral. Juntar todas essas abordagens e aplicá-las ainda é difícil, mas cada vez mais próximo.
Falando de vacinas preventivas para HIV, temos promessas potenciais que podem induzir a produção de anticorpos amplamente neutralizantes. Maturar a resposta vacinal é o desafio, mas essa abordagem está ganhando destaque como a principal plataforma de aposta para uma vacina.
Alguns estudos exaltaram antirretrovirais potentes combinados (bictegravir, Lenacapavir) e a segurança da terapia dupla. Simplificar a TARV é a direção, e reduzir o número de comprimidos é o lema. O risco cardiovascular associado ao abacavir foi mostrado no famoso estudo REPRIEVE e trouxe um alerta para pacientes usando essa medicação. Dieta e atividade física continuam sendo muito importantes para pessoas vivendo com HIV, e o caminho da pitavastatina em termos de implementação ainda continua.
Por fim, a inteligência artificial pode ser usada muito favoravelmente para otimizar a cascata do HIV, desde o acolhimento na PrEP, no mapeamento de indivíduos potenciais para PrEP e na escolha de esquemas em pacientes multiexperimentados.
A Aids 2024 deixa grandes recados: maiores investimentos para pesquisa contínua são necessários, uma maior participação das comunidades nas decisões e em consensos, e que os serviços devem ser centrados nas pessoas. Novas tecnologias não devem demorar anos para chegar a quem precisa.
* Álvaro Furtado é médico infectologista do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP, e do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids.