Quando fui convidada para escrever sobre prevenção no Carnaval, confesso que não quis aceitar e ainda tenho dúvidas se minhas reflexões acrescentarão algo neste momento. Tradicionalmente, campanhas de prevenção às IST/HIV/Aids aconteciam no Brasil, muitas encabeçadas pelo Ministério da Saúde (…eita saudades), seguidas ou não pelas ONGs/Aids que, por vezes, desenvolviam as suas próprias campanhas.
Muitas empresas também contribuíam desenvolvendo em suas Sipats (Semana Interna de Prevenção a Acidentes de Trabalho), intervenções sobre IST/HIV (sim, é obrigatório debater sobre IST/HIV/Aids nas Sipats, mas isso já é outra história). Porém, como organizar uma Sipat em home office? Preservativos eram distribuídos nos terminais rodoviários…
A reivindicação da sociedade civil, à época, era direcionada para que as questões do HIV fossem debatidas durante os 365 dias do ano. Por vezes, também, ONGs/Aids não concordavam com o tom de uma campanha e todo este conjunto da obra criava uma discussão intensa (…mais saudades).
Devido à COVID-19, teoricamente, não teremos Carnaval. Logo, para que promover campanhas? (…pensam algumas instâncias). Por outro lado, será ponto facultativo para os serviços públicos, para os bancos que permanecerão fechados segunda e terça-feira e, sendo assim, empresas deverão negociar “folgas” com seus funcionários e assim por diante, ou seja, o feriadão vai rolar e com ele espera-se muita gente nos bares, nas praias, festas e afins. Alguém tem dúvida quanto a isso? Bem, provavelmente muitos encontros sexuais ocasionais, afetivos ou não, também acontecerão nesse período.
Se não houve um plano nacional para se lidar com a pandemia da COVID-19, se não há campanha de testagens em massa, se a vacina, em uma Fake News absurda, foi associada à Aids, como estarão as campanhas de prevenção? Acrescentemos a este cenário, o fato que desde o início da pandemia da COVID-19, o número de pessoas testadas para a infecção pelo HIV caiu drasticamente no Brasil e no mundo. Isso é uma questão de extrema preocupação e angústia porque certamente há muita gente vivendo com HIV que desconhece sua sorologia.
Considerando todos estes fatores, penso que ainda pagaremos um preço alto, como sociedade, por não termos oferecido aos jovens brasileiros de baixa renda acesso à educação durante esses últimos dois anos de pandemia. Afastar os jovens das escolas é também diminuir as chances de acesso à orientação sexual e reprodutiva. A evasão escolar torna os jovens vulneráveis a casamentos precoces, subempregos, envolvimento com tráfico de drogas (além de madeiras e minérios nas fronteiras), enfim, vidas sem perspectivas, incluindo o sexo desprotegido.
Não penso que a ausência de campanhas focadas na “ Mandala da Prevenção“ e afins, neste pseudo Carnaval seja o único problema, mas, sim, o que significa apartar milhares de jovens de acesso à educação sexual! Este é o problema com que todos educadores, sociedade civil, gestores, promulgadores da ESG – Environmental, Social, Governance (Ambiental, Social, Governança), termo que substituiu a responsabilidade social na iniciativa privada, deveriam perder o sono. A promoção da saúde sexual e reprodutiva, políticas de diversidade e equidade de gênero devem fazer parte das inquietações daqueles que desejam uma transformação social. Aí sim, os carnavais voltarão, quem sabe, até embalados pela música de Chico Buarque?!?
* Marta McBritton é ativista, assistente social e presidente do Instituto Cultural Barong.