Pela 24ª vez aconteceu a Conferência Mundial de Aids. Ativistas, profissionais de saúde, pesquisadores/as, cientistas reconhecidos/as mundialmente e uma gama diversa de participantes, de várias partes do mundo, se reuniram em Montreal, no Canadá, para trocar experiências, conhecer outras realidades e boas práticas no enfrentamento do HIV e a aids. Esse foi mais uma oportunidade para construir novas alianças e, coletivamente, articular nossas estratégias para vencer a Aids. Foram dias intensos , que nos fez refletir sobre desafios nacionais que espelham a atual conjuntura mundial, que exige mobilização permanente e constante respeito à ciência.
Seguir as evidencias científicas e desconstruir desigualdades foram pautas centrais. A começar pelo desafio de emissão do visto canadense para entrada no país, que acabou por excluir pessoas do evento e portanto, as contribuições foram desfalcadas e essa “ausência” impactou fortemente algumas mesas, que perderam palestrantes de grande expertise na construção de respostas à aids.
Ausente também foi a histórica e tradicional marcha aberta nas conferências, cujo objetivo, ao longo dos anos, tem sido o de chamar a atenção da população local de que o HIV e a aids ainda são um problema que precisa ser enfrentado pelo mundo. Foi triste e lamentável não ter a marcha e perder a oportunidade de gritar nas ruas que as pessoas ainda morrem em decorrência da aids.
Nessa Conferência também sentimos a falta de representações do governo canadense na sua abertura que, ainda assim inaugurou uma série de manifestações que aconteceram durante os dias de evento. Não faltaram denúncias do atual contexto da saúde, pela defesa da estratégia I=I, pela incorporação da PrEP injetável por todos os países. E, igualmente importante que nós, ativistas da América Latina liderados/as pelas Redes Regionais da Alianza Liderazgo en Positivo & Poblaciones Clave puxamos uma manifestação pedindo, urgência na cura da Aids, tema levantado pela nossa região e que foi foco de uma das sessões principais sobre novos estudos de casos isolados de cura.
Apesar de considerá-la ainda inacessível à nossa realidade, reconheço e valorizo que estes avanços abrem portas para estratégias potenciais que podem beneficiar mais pessoas e contribuir com a tão desejada cura.
Mas nessa Conferência, difícil foi observar que chegamos aos 40 anos da epidemia e voltamos a ter que nos mobilizar e disputar nossa participação nas respostas ao HIV e a aids, o que tornou ainda mais simbólico todas as ausências que listei. Elas, de fato, contradizem o tema da conferência, que o “re-engajamento” nas respostas. Re-engajar como? Colocando barreiras na participação da sociedade civil? Diminuindo o espaço físico do Global Village na conferência? Justo o espaço onde as organizações trocam ideias, apresentam trabalhos; se expressam com liberdade e democracia e trocam vivências?
O tema da Conferencia, portanto, não podia ser mais pertinente. Não podemos “fechar o olhos”, temos que reconhecer que é tarefa urgente para nós, da sociedade civil, “Re-tomar” nosso ativismo regional, atuarmos coletivamente e, assim visibilizarmos a agenda política, incidindo nos espaços de tomada de decisão de forma organizada e apresentando para o mundo nossa força política.
Força política para dizer, inclusive, que somente poderão ser eficazes as políticas construídas com base em evidências e que vise garantir direitos. E, nesse sentido, a área cientifica da conferência trouxe em sua programação temas extremamente atuais, tais como o impacto da pandemia da Covid-19 na resposta e financiamento para o HIV/aids e a importância da experiência adquirida com a aids para responder a outras pandemias; ou ainda a varíola dos macacos, especialmente com o aumento do estigma e da discriminação contra populações gays e outros HSH. Sobre esses temas, no entanto, apesar das demandas da sociedade civil, não se observa o necessário esforço pelos países da América Latina em dar respostas à esta nova emergência, inclusive investindo em vacinas.
Estamos em perigo. E isso mostrou bem o Relatório Global do Unaids, lançado às vésperas da conferência: “As grandes desigualdades dentro dos países e entre eles estão paralisando o progresso na resposta ao HIV, o que acaba alimentando um círculo vicioso, gerador de mais desigualdade, os esforços para garantir que todas as pessoas vivendo com HIV tenham acesso ao tratamento antirretroviral que salva vidas estão falhando. Temos ainda aproximadamente 10 milhões de pessoas sem acesso aos medicamentos”.
Não está fácil. E muita gente tem ficado para trás. Como é o caso das mulheres trans, que tem 66 vezes mais chances de se infectar com HIV do que a população adulta em geral – os homens trans têm quase sete vezes mais chances de se infectar com HIV. É grave que apesar das evidências as pessoas trans sigam fora dos planos nacionais de HIV, questão abordada com muita ênfase nas discussões sobre direitos humanos e HIV.
É grave que as desigualdades sigam nos marcando. Que ainda seja inacessível, a tanta gente o uso de medicamento injetável para prevenção ao HIV, atualmente direito apenas em poucos países no mundo. A PrEP injetável é uma estratégia altamente eficaz para redução de risco de infecção do HIV, precisamos, por exemplo que o SUS incorpore o cabotegravir com urgência.
Por esses e outros pontos, enfim, esta conferência me chamou atenção de que precisamos de maior compromisso, agilidade e urgência na nossa resposta o HIV/aids. Temos a ciência como aliada nos subsidiando com as evidências e nós da sociedade civil temos potencial para intensificar nossas ações, apesar dos ataques atuais aos nossos Direitos Humanos que, no Brasil, continuam alimentando preconceitos. Mas nós vamos conseguir superar as ideias negacionistas e vamos conseguir levar a saúde a todas as pessoas.
Viva a Ciência! Viva a Vida! Um Viva imenso para as políticas públicas de saúde. Seguimos na luta !
* Jair Brandão de Moura Filho é ponto Focal da RedLa+ (Rede Latinoamericana de Pessoas Vivendo com HIV), assessor de Projetos da Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero e membro da RNP+ Brasil.