Vários jornais noticiaram no inicio de outubro que devido a uma falha na realização de testes de laboratório, alguns pacientes que foram transplantados no Rio de Janeiro estavam infectados pelo vírus da aids.

O Conselho Regional de Medicina do RJ, o Ministério Publico do RJ, a Policia Civil do RJ, a Secretaria de Estado da Saúde, todos anunciaram a abertura de inquéritos para investigar o ocorrido e punir os responsáveis. E também o laboratório envolvido nesse drama – PCS Saleme, veio a publico e disse que também está apurando e logo nos primeiros dias informou que localizou uma técnica que assinava como profissional que teria ordenado que se economizasse no controle de qualidade e que já estava tomando as providencias cabíveis.

Creio que como no caso Marielle, serão necessárias tropas federais. Ou impunidade.

A Fundação de Saúde, órgão da SES contratou o laboratório, que aparentemente tem como donos, parentes que trabalham ou trabalhavam na SES – esta informação deve ser ainda confirmada, mas existem fortes indícios. Mas a culpada é a técnica que assina exames sem ter diploma, que foi parar no laboratório, provavelmente camuflada.

Esses exames eram realizados no Hemorio que é um órgão da SES muito capacitado para realizar estes exames, pois já os realiza em todas as doações de sangue. Mas se veicula que o Hemorio estava abarrotado de serviço e os exames de doadores falecidos de órgãos teriam seus exames feitos em uma instituição privada escolhida após licitação muito cuidadosa. Que se registre que o numero de doações de órgãos no estado ate setembro ficou em torno de 1000 casos. Algo em torno de 112 casos por mês. Esta é uma atividade vital e cuja realização deve ser entregue a laboratórios muito exclusivos. É ininteligível a causa de colocar esses exames nas mãos de um laboratório deste tipo! 

Os exames quando negativos para todas as doenças – aids, HTLV, chagas, sífilis, hepatite, deveriam ser repetidos com testes moleculares que o laboratório não dispunha. Não dispunha de acordo com as noticias veiculadas pela imprensa. E do pouco e mal que realizava, não tinha controle de qualidade.

Agora dentre as atividades a serem desenvolvidas está a rechecagem dos tubos de sangue que devem ficar no laboratório para retestagem. E se descobre que muitos deles são insuficientes para esta crucial confirmação.

Seriam 288 amostras e destas 39 não puderam ser realizadas. E cerca de 59 foram os receptores de órgãos. A senhora secretaria de saúde emitiu uma serie de ordens burocráticas solicitando que as prováveis vitimas sejam convocadas para realizar os exames para saber se foram infectadas por algumas dessas doenças. E de acordo com a imprensa emitiu uma nota onde consta “Caso os pacientes já tenham sido testados, solicitamos que nos enviem as respostas com os respectivos resultados”.

Estamos tratando de um numero reduzido de pacientes que tinham a expectativa de um renascer e que podem ter sido condenados a ter algumas enfermidades que os acompanharão para sempre. Mas a SES não tem nenhuma empresa licitada que possa a partir dos dados existentes no sistema de transplantes ir em busca de 59 pacientes e fazer as coletas? Será que essa é a forma correta de proceder neste caso? Pelo que sei da operação da gestão de procedimentos com essa complexidade, a senhora secretaria não está agindo da maneira mais correta. A secretaria deveria providenciar a maneira mais rápida de chegar a esses receptores e realizar a coleta do sangue e providenciar a retestagem.

E o que deve se seguir do ponto de vista medico é um processo de acompanhamento destes pacientes que tiverem confirmadas as suas novas condições clinicas da maneira mais cuidadosa e completa possível. O estado cometeu um erro que não tem correção para essas vidas. Mas a partir de agora deve se cuidar de buscar reduzir o dano. 

E olhar para tudo que se está fazendo no sistema de transplantes para que nunca mais nada semelhante volte a ocorrer.

Mas não é suficiente. 

Não se pode aceitar a impunidade dos que permitiram que isso tudo acontecesse. Com certeza os proprietários do laboratório têm que ser responsabilizados. É da responsabilidade deles o que aconteceu e que foi o que foi visto. Mas debaixo desse tapete existe muita sujeira que provavelmente não poderá ser verificada. Falhou o sistema de vigilância sanitária que deveria inspecionar estes estabelecimentos. Não são poucos os laboratórios de fundo de quintal que utilizam a pia do estabelecimento para realizar os exames. E, de novo, a responsabilidade é da vigilância sanitária do estado. 

E dos contratantes do laboratório. Das autoridades que dirigiram a licitação a essa contratação. Não podemos aceitar mais impunidade.

Como garantir que os culpados não fiquem impunes? Como garantir que outros que queiram praticar essas ilicitudes, pensem nas consequências em futuro que espero não se repita?

Nós a sociedade, temos que nos colocar e exigir que as autoridades que se movem em função dos comandos de nós cidadãos, cumpram com as suas respectivas funções

* Gonzalo Vecina Neto é médico sanitarista, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). É um dos idealizadores do Sistema Único de Saúde (SUS) e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

E-mail: gvecina@uol.com.br