A Conferência Internacional da Aids é uma oportunidade única para conhecer os avanços globais no enfrentamento ao HIV e cada edição renova essa oportunidade. As sessões, plenárias e apresentações trouxeram nomes importantes de diferentes países, com relatos muito tocantes e repletos de experiências que ampliam a perspectiva da saúde pública. Além disso, a instalação do Global Village, um espaço diverso e vibrante onde comunidades de todo o mundo se conectam, compartilham e aprendem umas com as outras, comemorou 20 anos de existência nesta edição, oportunizando o encontro com o movimento social, com as organizações de pessoas vivendo com HIV e com as iniciativas que transformam a resposta ao vírus na escala da vida real e cotidiana.
No que diz respeito à edição ocorrida neste ano em Munique, na Alemanha, os estudos realizados no Japão sobre a eficácia da DoxyPrEP se destacaram pela novidade do tema, uma vez que, até então, apenas a DoxyPEP vinha sendo abordada de forma mais ampla, inclusive na cidade de São Paulo. A possibilidade de se prevenir infecções bacterianas como a sífilis e a clamídia, seja antes ou depois de uma exposição, certamente amplia o leque de recursos voltados para a promoção da saúde sexual. No entanto, é importante articular a viabilidade dessa prevenção com cautela, considerando os riscos de desenvolvimento de uma possível resistência bacteriana.
Outro tema importante foi relacionado à aplicação subcutânea do Lenacapvir, a cada seis meses, com 100% de eficácia na prevenção ao HIV, o que chamou a atenção de gestores, pesquisadores, profissionais da saúde e grupos sociais. De fato, uma taxa absoluta de eficácia em uma tecnologia de longa duração pode ser transformadora para o cenário da epidemia em diferentes contextos, especialmente quando falamos de países menos favorecidos economicamente, que ainda enfrentam dificuldades de acesso a medicamentos.
A promoção do acesso universal ao tratamento, à prevenção e a todos os serviços relacionados ao HIV e outras IST foi um tema central nesta edição do congresso. As vozes da Sociedade Civil apresentaram suas demandas urgentes, na mesma medida que autoridades mundiais reforçaram a importância do acesso para o controle da epidemia. Essa conexão se torna cada vez mais evidente: garantir o acesso a serviços de saúde de qualidade é fundamental para prevenir novas infecções, diagnosticar precocemente, oferecer tratamento adequado e reduzir a transmissão do vírus.
A cidade de São Paulo pôde levar os êxitos na implantação de muitas estratégias pautadas na conferência, especialmente na busca por aproximar as pessoas dos serviços. Iniciativas apresentadas em formato de pôster, como a Estação Prevenção, o SPrEP – PrEP e PEP online e o projeto “PrEP na Rua”, mostraram que é possível articular políticas públicas que inserem a prevenção, a testagem, o diagnóstico e o tratamento nos espaços públicos e cotidianos das pessoas.
Também se destacou a discussão sobre ferramentas de Inteligência Artificial (IA), que prometem democratizar o atendimento sem colocar em risco a ética na área da saúde e uma série de detalhes interativos que demandam a atenção especializada humana. Com isso, nos mais diversos projetos e pesquisas debatidos, pontuou-se fortemente a importância de se desenvolver recursos inteligentes no ambiente digital desde que seja realizada, em paralelo, uma vigilância apurada por parte de equipes de saúde que filtram e aperfeiçoam cada vez mais os sistemas disponíveis.
De fato, essa edição reforçou a necessidade de se colocar as pessoas em primeiro lugar, com um cuidado sistêmico, integrado, que possibilite olhar para as populações desproporcionalmente impactadas pelo HIV e socialmente vulnerabilizadas por questões de classe, de gênero e de etnia.
Não resta dúvida, afinal: as pessoas vivendo com HIV e os movimentos sociais devem ser protagonistas para se alcançar a eliminação do HIV. Foi possível notar, com a profusão de ideias, nacionalidades e perspectivas ocasionada pelo evento, que profissionais da saúde, pesquisadores e gestores, das mais diversas localidades e instituições, estão empenhados em realizar essa missão lado a lado com a Sociedade Civil. Compromisso político, social e empenho coletivo, portanto, devem fazer parte da atuação na área, dia após dia, pois só assim será possível eliminarmos o vírus não só na cidade de São Paulo, mas também no Brasil e em todo o mundo.
* Cristina Abbate é Coordenadora de IST/Aids da Secretaria Municipal da Saúde da cidade de São Paulo.