Valéria Polizzi

Para aqueles que embarcarão em agosto para o XVII Congresso Mundial de Aids, na cidade do México, aqui vão algumas informações sobre a situação da pandemia no país. Por duas vezes, em janeiro de 2007 e fevereiro de 2008, estive por um mês dando palestras em escolas mexicanas, o que me proporcionou observar a questão mais de perto. Meu livro “”Depois daquela viagem — diário de bordo de uma jovem que aprendeu a viver com Aids“, foi traduzido para o espanhol com o título “¿Por qué a mí?”, e adotado em escolas públicas e particulares para abordar o tema da Aids e prevenção entre os adolescentes de lá.

O México ocupa o segundo lugar na América Latina com o maior número de pessoas infectadas pelo vírus HIV, atrás somente do Brasil. Entretanto, ao contrário de nós, não está tão avançado em relação a políticas de tratamento. Enquanto aqui, desde 1997, os soropositivos têm acesso gratuito e universal aos medicamentos — ou seja, sem a necessidade de vínculo empregatício ou seguro social — no México somente as instituições de seguro social (IMSS e ISSTE) disponibilizam os anti-retrovirais. Isso significa que para ter acesso ao coquetel por parte do governo o indivíduo tem de ter um vínculo empregatício.

Em 1998, a secretaria da saúde mexicana, primeiramente, passou a distribuir a medicação a crianças, adolescentes menores de 18 anos e mulheres grávida. E nos anos seguintes, a cobertura se estendeu gradativamente também aos adultos, de acordo com a Conasida (Consejo Nacional para la Prevención y Control del SIDA). Entretanto, conforme pudemos observar durante a viagem ao país, a população em geral não sabe disso. Nas palestras, quando questionamos os jovens e professores se os mexicanos têm acesso gratuito ao coquetel, a grande maioria respondia que não. E devido a essa falta de informação, muitas pessoas que se descobrem com o vírus nem buscam tratamento por desconhecer dessa possibilidade.

Algumas fundações, como a FONSIDA, procuram atender ao restante da população não segurada, entretanto não conseguem dar conta de toda a demanda. E as regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos são as mais afetadas pela escassez de tratamento adequado.

A falta de informação e o preconceito são outros fatores que atrapalham muito a situação do HIV/Aids no páis. As pessoas ainda associam a doença com a morte. Em minhas palestras os jovens se surpreendiam com meu bom e estável estado de saúde, uma vez que já tenho o vírus há 20 anos. E o fato da Aids estar sendo tratada no Brasil como uma doença crônica lhes parecia inacessível.

O México não teve uma referência forte de pessoa pública portadora do vírus que servisse de referência nacional desmistificando a questão no país. Eles não tiveram como nós, um Betinho, um Cazuza ou uma Sandra Bréa, que os ajudasse a assimilar a doença em sua própria cultura. E, quando essa “imagem real” de um portador é ausente, a doença acaba se tornando muito pior no imaginário da população.

A cultura mexicana, bastante conservadora e machista, além de extremamente religiosa, também acaba reforçando muitos preconceitos em relação aos portadores. Os ativistas mexicanos que conheci reclamam da falta de informação, da carência de políticas públicas mais eficientes e, principalmente, da não-aceitação dos homossexuais por parte da população em geral. Eles relatam ainda que muitos trabalhadores são despedidos de seus empregos quando a empresa descobre que são soropositivos. Por lei as empresas são proibidas de pedir exame de HIV, entretanto, como explicam os ativistas, elas solicitam um exame de sangue para outro fim, como antidoping por exemplo, e fazem o de HIV. E os funcionários demitidos não recorrem aos seus direitos na justiça para não se exporem.

De acordo com dados da Conasida de 2007, das 112 mil notificações de pessoas infectadas no México 81,5% são homens e 16% mulheres, (numa proporção de cinco para um) e 2,4% são menores de 15 anos. A pandemia se concentra nos grupos que mantém práticas de risco: em homens que fazem sexo com homens, em profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis. A via de transmissão sexual é responsável por 94,9% das contaminações. E a prevalência de HIV na população adulta é de 0.3%, o que significa que três, de cada mil pessoas adultas, poderiam ser portadoras do vírus.

A Aids, lá, como nos outros países de língua espanhola e portuguesa é denominada Sida. Aliás, nada mais lógico e correto, uma vez que essa é a sigla correta para Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. E o HIV, como VIH — Vírus da Imunodeficiência Humana.

Esperamos que esse congresso mundial, pela primeira vez sediado na América Latina, venha trazer a todos nós um grande benefício. Sabemos que a situação da Aids entre os latinos americanos deixa muita a desejar. E nós brasileiros, que nos destacamos nessa área com um dos melhores programas de tratamento do mundo, temos muito que ensinar e obviamente também o que aprender.

A todos que vão uma boa viagem, muito aprendizado e trocas de experiência. Certamente, serão muitos bem recebidos, pois a hospitalidade e a simpatia do povo mexicano é contagiante.

Valéria Piassa Polizzi é jornalista e autora do livro “Depois daquela viagem — diário de bordo de uma jovem que aprendeu a viver com Aids”.