A cura da aids. Ah, quando essa verdade chegou ao meu coração por volta nos anos 2000 entrei em estado de euforia. Sim, o Betinho, saudoso e visionário Herbert de Souza viu essa realidade em 1992, e a retratou em seu livro “O dia da cura” e também no filme de mesmo nome. Ambos pretendiam ajudar a desmontar a paralisia que a associação aids-morte provoca.

Hoje, 23 anos depois, experimento novamente essa certeza: A cura é real, possível, não só do preconceito, da discriminação ou da associação aids-morte. Ela é a eliminação do HIV do nosso corpo. Não teremos mais medicamentos para tomar e passar mal com eles, não teremos mais efeitos colaterais decorrentes de seu uso por décadas. Não seremos mais estigmatizados por ter um vírus no nosso corpo.

O dia da cura chegou, está ao alcance do nosso ativismo pulsante, maduro e comprometido com o fim da epidemia de aids. Nós mulheres com HIV/aids que perdemos nossos amores, filhos, companheiros e amigos vamos celebrar esse dia. Lutamos por eles, elas e por todas nós.

Aprendemos nesses 40 anos de epidemia, nos quais, 630 mil pessoas em todo o mundo sucumbiram só em 2022, e 39 milhões ainda estamos por aqui, que viver com HIV/aids é ser desafiado dia e noite, e vencer cada um desses desafios exige informação, assistência, investimentos, politicas, comida, casa, amigos e ativismo. Ingredientes que juntos criam condições para esse viver.

Muitas de nós está enfraquecida, seja pela ação do vírus, da idade, das desesperanças atribuídas aos descasos com as políticas, as quais deveriam nos proteger, pela fome, falta de emprego, falta de moradia, enfim seja qual for o motivo, por favor, não desistam, estamos mais próximas do que estávamos antes.

Vencemos a luta por medicamentos, e isso foi uma de nós, que acreditou que era possível, e isso garantiu um folego até aqui para muitas de nós. Então, agora é hora de concluir nossa etapa. Lutemos pela cura da aids.

As estratégias necessárias rumo a cura, passam por esse entendimento, ou seja, primeiro é acreditar nela, e segundo lutarmos para ficarmos vivas. E nesse caminho vamos nos qualificando, amadurecendo nossos discursos e práticas.

Desde já podemos definir que todas as pesquisas envolvendo nossos corpos sejam respeitosas, afetivas e éticas, sem nos usar como objetos. Que haja financiamento suficiente a curto prazo para novas pesquisas em busca da cura e com foco nas mulheres.

A aids é movida por vontade política e econômica, e nós pela vida. Creio que o nosso motivo é mais forte, e esse sempre nos impulsionou. A história de Davi vencendo o gigante com uma funda, é inspiradora. A nossa crença de que juntas somos mais fortes vencerá esses dois gigantes que tentam nos fazer recuar. Porque afinal, estamos vivas, livres e juntas.

A mulher agora tomará seu copo de água porque tem sede, e não mais porque ele acompanha os medicamentos. Ela agora não tem mais o vírus da aids. Um brinde a essa conquista de todas nós.

* Nair Brito é professora, ativista e fundadora do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas