20/05/2009 – 17h

Quem vê Sandra*, uma bela moça de 35 anos, participando de uma oficina para aprender a fazer bichos de pelúcia não imagina sua história de vida. Sandra é, na realidade, uma travesti que saiu de casa aos 14 anos, trabalhou como profissional do sexo nas ruas de São Paulo e em casas de prostituição na Europa, correu de polícia e apanhou de gente preconceituosa. Mas desde que começou a frequentar, há oito meses, o Grupo Pela Vidda/SP) ela não se prostitui mais. “Voltar pra rua seria o meu maior desgosto”, afirma.

Sandra nasceu em Manaus e, desde a adolescência, já se sentia diferente e gostava de se vestir de mulher. “Minha família não me aceitava e me expulsaram de casa. Morei com uma senhora que conheci num terreiro de umbanda por três anos. Depois ficava na casa de um e na casa de outro”. Ela lembra que começou se prostituir muito cedo, ainda em Manaus. Chegou a trabalhar como auxiliar de cozinha e de cabeleireiro, mas a prostituição dava mais dinheiro. “O sonho de toda travesti é o de colocar prótese de silicone nos seios, no quadril, e isso custa caro. Tomo hormônios femininos desde os 17 anos”.

Em 1999, Sandra mudou-se para São Paulo e começou a fazer ponto nas ruas do centro. “Ao contrário de muitas travestis, eu nunca usei drogas e não gastava minha grana em boates. Juntava tudo pra colocar silicone. E consegui fazer uma cirurgia, colocando prótese nos seios. Só no quadril apliquei o injetável, que não é nada seguro.” Ela conta também que sempre usou camisinha. “Alguns clientes insistiam, queriam até pagar mais para fazer sexo sem preservativo. Mas eu não aceitava. Até com meu namorado só transo de camisinha”.

Sandra conta que, há alguns anos, as travestis eram muito perseguidas pela polícia, bem mais do que hoje em dia. “Tive amigas que foram pegas, humilhadas e apanharam muito. Eles davam murro onde elas tinham feito plástica, para estragar mesmo. Na prisão eles obrigavam elas a desfilarem nuas na frente dos outros.” Sandra nunca foi pega por policiais e considera que, atualmente, graças a muito trabalho de conscientização e educação, a polícia melhorou bastante no tratamento às travestis.

Um problema que ainda permanece nas ruas, segundo ela, são os assaltos e espancamentos. Ela mesma foi assaltada e apanhou de três homens. “Levei tantos socos e pontapés que fiquei deformada. Anotei a placa do carro, prestei queixa, mas não deu em nada.”

Sandra diz que na Europa, onde trabalhou por três anos em casas de prostituição, em Portugal e Espanha, o respeito às travestis é muito maior. Ela só voltou de lá por causa da saudade do namorado, com quem já está há oito anos.

“Lá na Espanha a gente tem muito mais direitos. As travestis podem mudar de nome só passando por um exame psicológico”, continua Sandra. Ela afirma que não tem vontade de fazer a cirurgia de mudança de sexo, mas que seria muito bom poder trocar de nome. “Eu não gosto de ir a hospital público por causa disso. Na ficha temos de colocar nosso nome do RG, que é de homem. Quando nos chamam e levanta uma mulher, todo mundo olha. Tem gente que faz piadinhas. É constrangedor.”

Dificuldade em arranjar emprego

Conseguir um emprego no mercado formal é outra grande dificuldade para Sandra. “A gente passa pela seleção de currículo, mas quando veem que o fulano é a fulana, nos dispensam.” Por isso Sandra acha tão importante fazer diversos cursos no CRD. “Meu sonho é ter um negócio próprio. Um salão de beleza, por exemplo.” Além do curso de pelúcia, ela faz o de sabonete e planeja fazer o de culinária e o de beleza. “Os cursos do CRD além de nos ajudar profissionalmente funcionam como uma terapia. Me sinto muito bem aqui, é um espaço nosso. Mas também gosto quando vêm outras pessoas que não são travestis.”

Sandra, que parou os estudos na 7º série, quer voltar à escola. Ela planeja fazer supletivo no segundo semestre e chegar a uma faculdade. “Gostaria de fazer nutrição. Não é só porque sou travesti, que tenho de me prostituir.”

* Nome fictício

Valéria Polizzi