A engenheira Duda Henriques, 57, era casada e tinha dois filhos quando se reconheceu como uma mulher trans. Hoje, ao lado da filha, ela leva adiante uma empresa que produz joias e divulga nas redes sociais vídeos sobre sua transição de gênero e inclusão de pessoas trans.
“Desde a infância, sempre tive uma compreensão limitada do que acontecia comigo. Não aceitava muito bem e buscava transformar meu corpo de alguma forma”, contou Duda, em um vídeo nas redes sociais.
Ela cita hábitos como colocar uma toalha na cabeça para simular cabelos longos ou usar roupas que pudessem trazer uma silhueta mais feminina.
Duda se casou com uma mulher e, por um tempo, a busca por compreender o que sentia ficou em segundo plano. Teve dois filhos e construiu sua carreira, mas aquele mal-estar a acompanhava.
“Era tão forte que eu não conseguia deixar de lado completamente.”
Ao procurar ajuda psicológica e psiquiátrica, Duda entendeu, aos 50 anos, o que se passava —e foi quando decidiu caminhar pela transição de gênero.
“Quando você entende o que é, é muito difícil não buscar um passo seguinte. É algo que não dá para lutar contra”, diz Duda Henriques
Duda conta que começou sua transição aos poucos, para sentir o processo. Como não eram mudanças explícitas, Helena Sammarone Henriques, 25, a filha mais velha, nem percebeu, pois eram detalhes socialmente aceito por homens também, como deixar o cabelo crescer.
Depois, vieram os primeiros procedimentos estéticos para que ela tivesse uma expressão mais adequada ao gênero feminino, com a qual se sentia bem.
Contar para a família não foi fácil. “Não sabia como seria a reação das pessoas. Algumas pessoas são mais ligadas à diversidade, outras não. Existiam aquelas que não tinham nenhuma informação sobre pessoas transgênero”, contou a Universa.
Ela foi desenvolvendo “pequenos planos” para contar a pessoas diferentes. “Foi um processo longo, de planejamento. Sou uma pessoa que reflete demais, o tempo todo. É cansativo, mas esse comportamento mostra quem sou”, diz Duda.
Para Helena, a revelação, em 2018, foi uma surpresa. E o amor nunca mudou.
Ninguém esperava. Era um momento em que a família toda ia precisar entender melhor sobre a pauta de pessoas trans, considerando que agora teríamos entre nós uma pessoa que faz parte de uma minoria.
A família passou por uma grande mudança e um período de adaptação, mas, para Helena, não há nada de diferente em seu núcleo.
“Somos uma família normal. Morávamos todos juntos: eu, minha mãe, meu irmão e a Duda, antes de ela começar sua transição”, conta Helena.
“E, quando minha mãe e a Duda se separaram, já que minha mãe não é uma mulher lésbica e não faria sentido continuarem como um casal, passamos a ter uma rotina de pais divorciados”, completa a filha.
‘Surpresa e estranhamento’
Duda é engenheira, mas mudou de carreira —algo que surgiu como uma opção para não ficar parada após um desligamento.
Eu trabalhava em um cargo de diretoria há 27 anos em uma empresa. E, nesses casos, você passa por ciclos. Já estava na hora de eu sair quando aconteceu uma reestruturação e me fizeram uma proposta de ficar por mais seis meses, dividindo conhecimento, e depois ir embora. Topei.
Após sair da empresa onde estava, Duda tentou se recolocar no mercado, com o mesmo nível hierárquico do cargo que ocupava, mas não teve sucesso.
“Fiquei aborrecida, claro. Quando falava que estava passando por um processo de transição, vinha uma mistura de surpresa e estranhamento, ainda mais porque eu buscava um cargo alto.”
Apesar de muitas empresas afirmarem que prezam pela diversidade, os cargos oferecidos para pessoas trans são, em sua maioria, iniciais. “Acho que vai demorar ainda para isso mudar”, diz Duda.
Para não enlouquecer, ela começou a fazer arte. “Procurei me aprofundar no assunto, fui com a Helena até a Califórnia, onde ela faria intercâmbio, e aproveitei para fazer alguns cursos.”
‘Minha pai é uma mulher trans’
Quando Helena voltou do intercâmbio, Duda já estava participando de alguns eventos com suas criações.
“Sou publicitária e, durante a pandemia, comecei a desenvolver a ideia da marca, com redes sociais, nome, logo. Assim, teríamos um enfoque mais sério”, conta Helena.
E foi assim que as duas se tornaram sócias e nasceu a “Mina Art”, que produz joias.
Para a divulgação, Helena faz vídeos nas redes socias falando sobre a produção e também sobre sua dinâmica familiar —em que mostra uma rotina cheia de amor e entendimento, algo que muitas pessoas LGBTQIAPN+ não encontram em casa.
Um dos vídeos tem a chamada “Minha pai é uma mulher trans”, em que conta como foi o processo de entender a transição de gênero de Duda. O termo “pai”, no entanto, não é mais usado no dia a dia entre elas.
“Chamo a Duda pelo nome e não como pai, porque acho mais fácil. A palavra ‘pai’ já traz conotação masculina e não quero usar com ela palavras com esse contexto.”
Hoje a marca vende para todo o Brasil. “Em São Paulo, temos uma loja física em Pinheiros e participamos de feiras. Nosso maior objetivo com a Mina Art é ter estabilidade, que nossos produtos não tenham uma demanda tão variável”, diz Helena.
Fonte: Universa UOL