Há parcerias que transformam vidas e escrevem capítulos de resistência e esperança. Na tarde desta quinta-feira (28), a Agência Aids celebrou uma dessas histórias ao homenagear Luiz Francisco de Assis Salgado, diretor regional do Senac São Paulo, pela dedicação de quase duas décadas à causa da prevenção ao HIV/aids e ao combate ao preconceito.
Desde 2006, a parceria entre o Senac e a Agência Aids tem sido um exemplo de como a educação pode ser uma poderosa aliada na conscientização sobre as ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis). Por meio de palestras, rodas de conversa, campanhas e ações que atravessam gerações, a parceria consolidou um legado de informação e acolhimento que reverbera por todo o Estado de São Paulo.
Roseli Tardelli, diretora da Agência Aids, falou sobre a parceria exitosa e a urgência do trabalho realizado em parceria com o Senac. ‘‘Estou muito contente de estar aqui hoje no SENAC, fazendo essa homenagem a todos os parceiros do SENAC, particularmente a Luiz Francisco de Assis Salgado, que é o diretor regional, porque, desde 2006, a Agência de Notícias da Aids tem uma parceria com o SENAC para levar a informação antes que o HIV chegue. Já estivemos em várias unidades, conversando com os alunos entre 14 e 21 anos, falando sobre PrEP, PEP, a Mandala da Prevenção e a importância de as pessoas se apropriarem dessas informações para que consigamos quebrar a cadeia de transmissibilidade do HIV. É isso que o SENAC lindamente tem feito há muito tempo, e estamos aqui em uma ação de gratidão, de muito agradecimento ao SENAC e ao Salgado por essa parceria que, antes de tudo, salva vidas!”
A homenagem, realizada em um evento que reuniu superintendentes, gestores e representantes das unidades do Senac, marcou também o início das ações do Dezembro Vermelho, mês de conscientização sobre o HIV/aids. Além de celebrar conquistas, como a queda dos índices de novas infecções e de mortalidade pela doença na capital paulista, o encontro foi um momento de reflexão sobre os desafios que ainda persistem e a importância de manter a luta viva, como ressaltaram as palavras de Salgado.
“Trabalhamos pela reorganização da vida, o respeito à vida, o acolhimento, o amor e a ressignificação da história das pessoas. Então, estou muito contente de estar aqui com o Senac, parceiros de muitos anos. O Senac é a única instituição no Brasil que faz esse tipo de trabalho”, afirmou Roseli, destacando o papel singular da instituição na luta contra o HIV/aids. Em outro momento, a jornalista demonstrou sua indignação com os desafios que ainda persistem globalmente: “Acho um absurdo, no século XXI, ainda haver um milhão e meio de novas infecções todo ano.”
Em um discurso carregado de emoção e reflexão, Luiz Salgado falou sobre a parceria com a Agência Aids, exaltando o impacto do trabalho conjunto. “A Agência Aids tem sido uma grande aliada, especialmente no apoio aos jovens estudantes que o Senac é responsável por formar. É com muita alegria e orgulho que celebramos este trabalho”, declarou. Ele também destacou como a capital paulista serve de inspiração para outras cidades, mas fez um apelo contundente: “Precisamos de um programa de Estado, não apenas de prefeito X ou Y, para que [independentemente] de quem esteja no poder, as coisas continuem. Apesar dos esforços de São Paulo, tudo ainda é muito cíclico.”
Salgado aproveitou para reforçar a necessidade de ampliar o acesso à informação, especialmente em uma metrópole com mais de 12 milhões de habitantes, onde muitos ainda vivem à margem do conhecimento sobre o HIV/aids. “O que mata é a falta de informação. Muitas pessoas têm medo ou vergonha de se expor, e outras acham que nunca vai acontecer com elas”, lamentou.
O diretor chamou atenção para o preocupante número de pessoas que desconhecem seu real estado sorológico. “Os números [são subestimados], porque muita gente vive com HIV e não sabe, muita gente tem vergonha de se expor…”
A luta contra o estigma
Na abertura, Paulo Rezende, gerente de operações do Senac São Paulo, trouxe à tona as memórias das primeiras décadas da epidemia de HIV/aids no mundo, marcadas por perdas e estigmas devastadores. “Nos anos 80, o HIV era chamado de ‘câncer gay’, o que potencializava ainda mais o preconceito. Era um momento trágico, perdemos muitos amigos e ídolos, pessoas até bem próximas. O estigma era cruel e sorrateiro”, lembrou.
Para Rezende, preservar essa memória é essencial, não apenas como um registro histórico, mas como aprendizado coletivo. “Perdi amigos que morreram emocionalmente e socialmente muito antes de morrerem fisicamente, mas essas lembranças nos ajudam a entender a importância de lutar contra o preconceito.”
Roseli Tardelli, diretora da Agência Aids, também compartilhou sua experiência pessoal com a epidemia, vivida intensamente nos anos 80, que ela definiu como “a década da tragédia”. A jornalista relatou os desafios enfrentados por sua família enquanto buscavam atendimento médico para seu irmão, Sérgio Tardelli, infectado pelo vírus. “Os convênios diziam que não atendiam ‘esse tipo de doença’. Esse tipo de doença já era atendida pelo SUS naquela época, então por que os convênios não poderiam atender?”, questionou, concluindo em seguida: “Por uma única razão: preconceito.”
A cidade na luta contra a aids
Cristina Abbate, coordenadora de IST/Aids na cidade de São Paulo, destacou os avanços e desafios no combate à epidemia. Ela apresentou dados que evidenciam a desaceleração do HIV na capital paulista, impulsionada por iniciativas como a Estação Prevenção Jorge Beloqui, localizada na estação República, e o projeto PrEP na Rua, que leva diagnóstico, tratamento e profilaxia para áreas vulneráveis. “São Paulo tem 29 serviços especializados gratuitos, mas nem todos os lugares no Brasil têm o mesmo acesso. Mulheres, jovens, pretos e pessoas trans enfrentam dificuldades para acessar métodos de prevenção e tratamento”, explicou.
A gestora reforçou que, apesar dos resultados positivos em São Paulo, o cenário não é uniforme no país. “Lamentavelmente, São Paulo não é a realidade do mundo, nem tampouco a de alguns estados do Brasil, que sofrem com disparidades sociais, econômicas e o estigma. Diferentes pessoas, incluindo a população LGBTQIA+, enfrentam barreiras enormes para acessar tanto a informação quanto os métodos de prevenção disponíveis pelo SUS”, enfatizou.
Desafios de viver com HIV
Entre os depoimentos mais marcantes, o de Gabriel Comicholli, criador de conteúdo e ativista, trouxe um olhar pessoal sobre os desafios de viver com HIV. Desde o diagnóstico em 2016, ele usa plataformas digitais como um diário e ferramenta de conscientização. “Descobri minha sorologia e abri minha condição logo em seguida. Criei um canal no YouTube para compartilhar minha trajetória e, junto com outras pessoas, enfrentar os desafios dessa nova realidade”, contou.
Apesar dos avanços médicos, Comicholli destacou que o preconceito persiste. “Lembro de um dos vídeos que gravei e viralizou, com mais de quatro milhões de visualizações. O mais chocante é que, nos comentários, a maioria das perguntas ainda é sobre o que é HIV. As pessoas não sabem o que é HIV. Vejo que comunicar sobre HIV/aids é repetir ano após ano as mesmas informações. O problema está no fato de que não falamos sobre sexualidade — nem nas escolas, nem dentro de casa. O HIV só é um monstro porque não sabemos lidar com a sexualidade”, afirmou.
Reconhecimento
O evento aconteceu na sede central do Senac, no coração de São Paulo, e reuniu profissionais em um encontro marcado por emoção e significado. Além do bate-papo que refletiu sobre os desafios e conquistas no enfrentamento ao HIV/aids, os participantes tiveram a oportunidade de explorar a criatividade e o ativismo presentes na exposição Humor e Aids, do Ministério da Saúde, e na coleção Vista-se, da artista plástica Adriana Bertini, com roupas feitas de preservativos.
O auditório lotado, adornado por laços vermelhos presos à roupa de todos os presentes, simbolizava a solidariedade e o compromisso com a causa. Em meio ao clima de respeito e emoção, Roseli Tardelli, diretora da Agência Aids, subiu ao palco para um dos momentos mais marcantes da noite. Com palavras carregadas de significado, ela convidou pessoas vivendo com HIV/aids a se unirem na entrega de uma placa de reconhecimento ao diretor regional do Senac São Paulo, Luiz Francisco de Assis Salgado.
A homenagem não apenas celebrou o trabalho incansável da instituição no combate ao preconceito e na inclusão, mas também destacou a força transformadora dessa parceria de quase duas décadas. O momento foi encerrado com aplausos calorosos e uma sensação coletiva de compromisso renovado com a causa.
Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)
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