Casos de infecção pelo HIV após transplantes no Rio não tem precedentes na história do país.

Estes dias nos levam a inquirir: onde foi que erramos em nossa educação? E até mesmo de nos perguntar: onde se deu o erro da evolução até esse homo sapiens que se faz tão mal? Até Zeus se perguntaria, qual das três Parcas (Cloto, Láquesis, Átropos), essas míticas figuras que dispõem da vida e do destino dos homens, seria capaz de prever o que estamos vivendo em termos de dissolução das relações humanas? Vivemos fatos que nos fazem pensar numa releitura de uma obra clássica. Seria necessário reconstituir o trato de Fausto com Mefistófoles? Ou este se sentiria um mero amador no gerenciamento do mal, frente ao mundo real? Reler Goethe à busca de um racional para tecer de novo o fio da vida, sem que alguém o desenrole e o corte, como fazem, permanentemente, as Parcas, nos parece um desafio sem saída à luz do que vivenciamos.

No episódio recente de um laboratório de análises clínicas, evidentemente sem a mínima condição de boas práticas, e independentemente das circunstâncias materiais, físicas, ambientais, o que leva alguém a permitir que exames resultem errados, por falhas básicas de processamento, em particular feitos em doadores de órgãos e capazes de comprometer a vida de pessoas, indelevelmente, como numa infecção por HIV? Que natureza de sentimento ou ausência de alguma responsabilidade, ou apenas a certeza da impunidade, pode gerar algo assim?

Se há algo que nasceu para prosperar nas melhores condições éticas e técnicas é o sistema de transplante de órgãos no Brasil, no qual o SUS tem uma vital participação propiciando meios de captação e transporte e cuidados com os pacientes, antes e depois, no provimento dos fármacos anti rejeição. Ainda estamos longe de uma cultura adequada de doação de órgãos, porém observamos uma percepção social melhor e um aumento nos últimos anos. Somos o número um do mundo em transplantes de rim (no Hospital do Rim, em São Paulo), e em várias cidades se processam transplantes de córnea, fígado, coração, e pulmão. Neste momento estamos, as Sociedades Brasileira de Pneumologia e de Cirurgia Torácica, Ministério da Saúde, CONASS e Ebserh (empresa que administra os hospitais universitários) estamos reorganizando, através de um georreferenciamento necessário a um país continental, o mais complexo dos transplantes, que é o de pulmão. Nosso objetivo é reiniciar por Minas Gerais, onde há uma condição adequada com recursos humanos qualificados e infraestrutura hospitalar. Assim prosperando, candidatos a transplante do centro oeste, além de Minas, Bahia, e Espírito Santo, poderiam estar mais próximos de seu local de origem para esse complexo procedimento.

Seguindo no que considero impensável, o que leva alguém a usar um avião e deliberadamente jogar agrotóxicos com agentes químicos para eliminar uma área de mata do tamanho de uma cidade grande no Pantanal brasileiro, patrimônio da humanidade? Celeiro de uma diversidade extraordinária, como pode despertar o que eu chamaria não de transgressão, cobiça ou arrogância, mas de uma atitude criminosa, que em qualquer sociedade civilizada deverá ser passível da mais rigorosa punição.

Ainda, nessa cruzada misógina de extremos, o que leva alguém a ter um ímpeto e atear fogo a um semelhante, uma pessoa, moradora de rua? E repetir o gesto, confirmando a determinação, como registrado nos últimos dias na Zona Sul do Rio de Janeiro? Ou ainda fabricar e vender medicamento falso como ocorreu também nesses dias, com as seringas de um fármaco para perder peso, levando pessoas à emergência com quadros de hipoglicemia severa? Não seriam todos eles impensáveis sob marcos civilizatórios mínimos?

Esses são fatos tão próximos à nossa realidade cotidiana que nos obscurecem por alguns momentos os horrores de que se nutrem os nossos dias atuais no planeta. Entretanto, temos que manter a clareza de que não podem se repetir. Mefistófoles diz que “já estamos no limite do nosso entendimento, no ponto em que vocês humanos, perdem a cabeça”. Recuperemos.

Fonte: O Globo