A infância é uma fase repleta de sonhos, risos, brincadeiras e descobertas. No entanto, milhares de crianças não tiveram a chance de vivenciar os avanços da medicina e perderam a vida em decorrência da aids nos anos mais sombrios da epidemia. Para lembrar essas crianças que se foram, mas também para celebrar a vida daquelas que continuam lutando contra o HIV, a Agência Aids visitou o Projeto Criança Aids que, há mais de três décadas, acolhe e aposta na solidariedade para cuidar de crianças nascidas com o vírus e suas famílias, proporcionando-lhes dignidade e uma melhor qualidade de vida.

A ONG está localizada na bairro da Saúde, zona sul de São Paulo. Ao entrar na casa, a primeira visão é uma ampla sala com um sofá espaçoso. Nas paredes, quadros pintados pelas próprias crianças que passam por ali dão um toque especial ao ambiente, que mais parece uma casa comum, com uma atmosfera acolhedora e confortável.

Ao lado da sala, encontra-se a cozinha, onde a “mágica” acontece, e tudo parece mais saboroso.

No final de um extenso corredor, que dá acesso às demais diferentes áreas da instituição, incluindo um espaço de recreação, acolhimento, além da despensa e prateleiras que ficam as dezenas de generosas doações dos amigos e parceiros que ajudam a manter a casa funcionando. Tudo muito limpo e organizado.

A casa se mantém além das regulares doações mensais e espontâneas, através de recursos do brechó beneficente que realiza. Este é um brechó permanente, que oferece uma variedade de itens a preços mais acessíveis, e organiza também bazares premium em datas estratégicas. Esses bazares contam com peças de grife, para arrecadar fundos e manter as atividades da instituição.

A ONG, que se destaca pelo compromisso com a vida e dignidade de crianças vivendo com HIV/aids, completou recentemente 33 anos. Fundada com o objetivo de apoiar famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica, a instituição tem uma trajetória marcada pela solidariedade. Adriana Ferrazini, assistente social e presidente da ONG, explica: “O projeto Criança Aids surgiu para arrecadar fundos destinados a projetos habitacionais. Naquela época, muitas crianças eram abandonadas devido à falta de conhecimento sobre o HIV/aids e as suas formas de transmissão.”

Adriana também ressalta o quanto o tratamento do HIV evoluiu ao longo dos anos: “Hoje, uma criança que antes tomava vários comprimidos por dia, agora toma apenas uma cápsula. Isso permitiu que muitas pudessem viver mais e com melhor qualidade de vida.” O projeto também evoluiu, adaptando-se às novas necessidades e atendendo não apenas as crianças, mas suas famílias.

A ONG atende crianças com HIV/aids de 0 a 12 anos, e ficam assistidas até os 17. Hoje, estão cadastradas 21 famílias, somando 47 crianças. Muitas delas enfrentam dificuldades financeiras e o estigma social do HIV. Além de atender crianças da região, recebe também de outras cidades do Estado e até famílias imigrantes.

A ONG conta com uma equipe interdisciplinar de profissionais voluntários que oferece suporte integral. Além de assistência alimentar e apoio psicológico, o projeto garante acolhimento social e doações mensais de brinquedos, roupas e livros, especialmente em datas comemorativas, como Natal, Páscoa e Ano Novo. As crianças também recebem presentes especiais em seus aniversários, reforçando o carinho e cuidado em cada etapa de suas vidas.

“As famílias recebem ainda acompanhamento com visitas regulares para garantir que todos estejam recebendo o apoio necessário e continuando o tratamento”, explica a presidente.

Sílvia Lima, também assistente social, responsável por toda essa parte de assistência na casa, esclarece: “Os atendimentos são realizados tanto online quanto presencialmente, buscando sempre incluir mais elementos para os que não conseguem participar presencialmente.” Ela ressalta a importância deste acolhimento.

Imigrantes

O projeto também atende famílias imigrantes, e Silvia, uma das responsáveis, observa um aumento no número de casos de HIV por transmissão vertical entre essa população. “Atendemos várias famílias da Venezuela, e algumas crianças já chegam vivendo com HIV”, comenta.

Embora alguns estados e municípios brasileiros tenham sido certificados por eliminar a transmissão vertical como problema de saúde pública, a situação ainda é alarmante. Adriana Ferrazini ressalta: “Em São Paulo, ainda temos crianças vivendo com HIV por transmissão vertical. Apesar dos avanços, a eliminação não significa erradicação. Apenas 73 dos mais de 5570 municípios brasileiros foram certificados para a eliminação da transmissão vertical do HIV e da sífilis. A situação permanece crítica e requer nossa atenção contínua.”

Silvia complementa, explicando que a vulnerabilidade é um fator significativo, especialmente entre mulheres que não fazem o acompanhamento pré-natal adequado. “O preconceito e a falta de informação são grandes obstáculos. Muitas mulheres sentem vergonha e não querem que os outros saibam. Acabam interrompendo o tratamento e, infelizmente, transmitem o HIV para seus filhos.”

Falta apoio no pós-parto

Ela destaca ainda que, embora haja protocolos para o pré-natal, com testes de HIV realizados em várias etapas, muitas mulheres não encontram apoio após o parto. “Essa é uma lacuna que precisamos preencher”, afirma Silvia. A assistência oferecida pelo projeto é abrangente, estendendo-se a diversas configurações familiares: “Atendemos pais, mães, avós e qualquer outra forma de família, sempre com foco no bem-estar da criança e da família como um todo.”

A dedicação do projeto em proteger os direitos das crianças é incansável. “Para essas crianças, aqui é um espaço de pertencimento”, diz Adriana. “O medo e a desconfiança são grandes, mas nosso trabalho é mostrar que elas podem confiar em nós.” O objetivo é simples, mas poderoso: garantir que cada criança viva com dignidade, amor e cuidado.

‘‘Ver, por exemplo, que uma criança que chegou até nós já em estágio de aids, surda e com dificuldade de mobilidade, agora está até jogando bola, não tem preço.’’

Como doar

A ONG está sempre aberta a receber doações de quem deseja ajudar. As contribuições podem ser feitas pelo Pix, utilizando a chave CNPJ 6054794000127

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista 

@pcaids