Eliminar doenças que são um problema de saúde pública se alinha às diretrizes e metas da Agenda 2030 – Agenda do Desenvolvimento Sustentável da OMS

Vivendo o presente período eleitoral e sobretudo muitos dos resultados, percebemos, com desalento, o quanto estamos distantes de uma consciência social capaz de reconhecer o que seja cidadania e dignidade, essa mescla de que se tece o melhor tecido de humanidade. Além de figuras grotescas e delinquentes, que se espera tenham vida curta, observar esse servilismo acrítico, vivendo da mão para a boca, especialmente em eleições, é muito triste. Nossas dores da contemporaneidade, entretanto, não podem permanecer entre parênteses, merecem ser escandidas e desnudadas para que possamos ter uma chance frente ao futuro, esse nosso imediato.

A sociedade não pode desconhecer que nos são ainda contemporâneas doenças que podem ser ou eliminadas ou controladas a um nível mínimo de incidência. Entre elas, a hanseníase, com uma constrangedora carga em número de casos; a malária, endêmica e hoje com melhores tratamentos possíveis; a tuberculose, doença secular entre nós e que sofreu grande impacto com a pandemia da Covid-19, hoje com fármacos novos de grande eficiência; as hepatites virais, hoje também com vacinas e tratamento que poderá erradicar a hepatite pelo vírus C; o tracoma, hoje restrito a uma determinada região amazônica; doença de Chagas, esquistossomose, sífilis, visando impedir a transmissão vertical, oncocercose, filariose linfática, entre outras.

Inadmissível pensar que se morre de cânceres preveníveis com vacinas como o de colo de útero, através da vacina para HPV, hoje disponível e recomendada para todos os meninos e meninas a partir dos 9 anos de idade. Muitos sequer têm noção de que ocorre uma alta incidência desse câncer em mulheres muito jovens, e com alta mortalidade.

Sabemos que a existência de algumas doenças como essas, que são consideradas socialmente determinadas, e sua respectiva magnitude num determinado país, opera como um indicador socioeconômico para entidades como o Banco Mundial, por exemplo. Assim, eliminá-las como um problema de saúde pública se alinha às diretrizes e metas da Agenda 2030 – Agenda do Desenvolvimento Sustentável da OMS. As metas propostas pela OMS e adotadas pelo Ministério da Saúde em sua ampla estratégia denominada Brasil Saudável, preveem: reduzir a prevalência de hanseníase para menos de 1 caso para cada 10 mil habitantes; reduzir a tuberculose para menos de 10 casos por 100 mil habitantes (hoje são em média no Brasil 39/100 mil) e o número de mortes para menos de 230 por ano (hoje são 5mil/ ano); em relação ao HIV/Aids a meta seria ter 95% das pessoas vivendo com HIV diagnosticadas, destas 95% em tratamento e destas 95% com carga viral indetectável.

O recente reconhecimento internacional pela OPS/OMS, de que fomos objeto pela erradicação da filariose linfática (doença mais conhecida como elefantíase) desperta de fato, satisfação em nós, médicos e profissionais da saúde, porém surpresa em muitas outras pessoas, que nos perguntam, meio incrédulas, se “isso” ainda existe no Brasil. Essas ficariam perplexas em saber que, além das conhecidas mazelas, crônicas, ainda temos doenças estigmatizantes, cujas denominações não são sequer popularmente conhecidas, ainda que reais e elimináveis, com boas ações de saúde pública e redução das diferenças sociais.

Fica claro que é impensável que sejamos o segundo país do mundo em casos de hanseníase (o primeiro é a Índia, com uma população sete vezes maior) e ainda perdure uma discussão bizantina, se é ou não possível eliminá-la. Ora, uma condição clínica que se apresenta sob formas variadas, de maior ou menor expressão e gravidade, que, uma vez diagnosticada, é perfeitamente tratável com medicamentos de alta eficácia disponíveis no SUS, e virtualmente curável, merece o mais racional e eficiente investimento visando sua eliminação.

Fonte: O Globo