A dra. Beatriz Grinsztejn, nova presidente da International Aids Society (IAS) e pesquisadora da Fiocruz, esteve na cidade de São Paulo na última semana para conhecer de perto os serviços especializados em ISTs/aids da cidade e as estratégias adotadas pelo governo local para ampliar o acesso à PrEP. Recentemente, o município registrou 50 mil pessoas cadastradas em PrEP (profilaxia pré-exposição ao HIV).

Em entrevista exclusiva à jornalista Roseli Tardelli, diretora da Agência Aids, a especialista falou sobre os desafios para expandir o acesso à PrEP no Brasil e no mundo, compartilhou suas expectativas quanto à PrEP injetável de longa duração, e falou sobre a próxima a 5ª Conferência de Pesquisa para Prevenção do HIV (HIVR4P 2024), que ocorrerá no Peru no próximo mês. Além disso, abordou questões relacionadas ao Mpox. “Minha expectativa e que a Conferencia no Peru traga um olhar para nossa região. Lima foi escolhida por ser um local onde a gente sabe que a epidemia de aids ainda se encontra numa situação bastante complexa.”

Confira a seguir:

Agência Aids: Essa conversa que vamos acompanhar agora reflete a importância da pesquisa do PrEP no Brasil. Se as doutoras Beatriz, Valdiléa, e a equipe de pesquisadores e pesquisadoras da Fiocruz não tivessem conduzido esses estudos, o evento que aconteceu em São Paulo, na sexta-feira (20), talvez não tivesse sido possível. A visita delas aos serviços de PrEP na cidade foi um marco. Estamos aqui na Estação Prevenção Jorge Beloqui, onde elas vieram conhecer o trabalho. Antes disso, visitaram a Estação da Luz, onde conheceram a máquina de PrEP, além de passarem pela Coordenação de Aids da cidade de São Paulo e pelo SAE Campos Elíseos. Em breve, esperamos que elas possam conhecer também a nossa Agência de Notícias.  O mais importante é que somos parceiras em uma missão muito maior: combater a discriminação, o preconceito, a desinformação e a ignorância. Doutora Beatriz, em especial, tem sido uma pioneira nessa luta. É uma honra recebê-la. Boa tarde, doutora Beatriz. Gostaria de saber: o que a motivou a vir aqui hoje?

Dra. Beatriz Grinsztejn: É um prazer estar aqui! Há muito tempo tenho interesse nas ações de prevenção ao HIV e às ISTs, em especial no que está sendo feito em São Paulo. A cidade é um exemplo para o país. As iniciativas aqui são criativas, inovadoras e, acima de tudo, têm um impacto sensível. Passar o dia ao lado da Cristina, Carol, Adriano e toda a equipe foi muito enriquecedor. O programa de prevenção é inspirador e ativista, o que nos remete aos tempos em que todos estávamos profundamente engajados. Muitas pessoas ficaram pelo caminho, mas a energia aqui é palpável e contagiante. Estou muito orgulhosa de estar aqui e poder ver de perto todas essas atividades. Primeiro, as conversas, as discussões na sede da Secretaria, e depois, o almoço maravilhoso na Dona Onça, e depois as ações, conhecer o SAE, os serviços, conhecer aqui a estação Jorge Beloqui. É um privilégio estar aqui com vocês nessa sexta-feira incrível em São Paulo. O que mais me chamou atenção? Me chamou atenção a multiplicidade de ações que estão sendo conduzidas, então a gente vê que tem uma ação sistêmica, não é a máquina de prevenção, a máquina é sensacional, a Estação Jorge Beloqui é sensacional. Mas é o conjunto das ações, são ações sistêmicas que realmente têm um impacto, fundamentalmente trabalhando estigma e discriminação, porque cada uma delas visa aumentar o acesso, visa tirar as barreiras. Então, com esse tipo de ação, em várias frentes, se consegue chegar a uma diminuição da incidência de novas infecções de HIV. E isso realmente é relevante.

Acho que um dos grandes desafios do Brasil e da América Latina, doutora Beatriz, é nós termos uma resposta, quando a gente fala de prevenção, como São Paulo tem construído, onde todos os estados e todos os municípios pudessem ter uma contribuição, eu diria, um pouco mais presente. Como é que a gente faz para pegar esses exemplos positivos e propositivos e espalhar pelo Brasil e espalhar pelo mundo?

Dra. Beatriz Grinsztejn: Eu acho que a gente primeiro tem que ter a visibilidade das ações que acontecem. Então, eu considero que essa ação da cidade de São Paulo é um exemplo. E as cidades precisam trabalhar com esse grau de autonomia que se dá ao programa de IST de São Paulo para gerir tantas ações. Então você vê cidades que são amarradas, que são totalmente engessadas administrativamente, onde você não tem como fazer essa multiplicidade de ações, que você só tem uma certa autonomia administrativa para conseguir propor essas ações. Mas aqui você encontra um ambiente de criatividade, onde essas ideias são geradas. É uma felicidade que as coisas se encontraram e eu acho que dar visibilidade a isso que está acontecendo aqui é o primeiro passo para que outras cidades no nosso país e fora do nosso país possam olhar e se espelhar e ver como criar modelos que sejam adaptados aos seus próprios locais.

Quando a senhora começou a pesquisa lá atrás, a senhora achou que fosse dar esse resultado?

Dra. Beatriz Grinsztejn: A gente sempre pensa muito longe, muito alto, mas então eu acho que é sensacional que tenha dado nisso. A gente continua trabalhando com pesquisa em outras frentes, como a PrEP injetável, para ver se a gente consegue ainda aumentar o impacto nas ações com outro tipo de antirretroviral de longa duração. Quem sabe a gente consegue ainda atingir uma outra faixa de pessoas que não se adaptam à PrEP oral. Então, tem sempre muito caminho e o objetivo é que a gente construa um caminho que a gente aprenda como é que as ações podem ser implementadas nos diferentes cenários do SUS. No nosso país, o que importa é que sejam ações implementáveis ali no SUS, e ver como avançar na agenda de pesquisa para que a pesquisa possa contribuir para a implementação de novas ações.

Falando em PrEP injetável, me lembrei que do Purpose 2.  Ao que tudo indica, deu muito mais certo do que até as expectativas dos profissionais da Gilead, dos pesquisadores, dos médicos que tomaram a frente disso e trouxeram para nós e para o mundo.   As negociações caminharam um pouco mais?

Dra. Beatriz Grinsztejn: Não, eu acho que a expectativa era alta. A gente tinha todas as razões para achar que ia dar certo. Eu não vejo por que que fosse dar errado. Eu acho que é uma medicação extremamente potente. O fato dela ser feita a cada seis meses é uma enorme vantagem. Agora nós temos dois medicamentos de longa duração injetáveis, um intramuscular e um subcutâneo. Tudo agora depende de quanto essa medicação vai ser acessível. No fim das contas, isso é o que importa. Quando a população vulnerável que precisa de novas estratégias de prevenção vai poder acessar. E isso significa o quanto isso vai custar para nós, o nosso Sistema Único de Saúde. Isso agora é o que importa. O resultado da pesquisa, sinceramente, na minha perspectiva, sou uma investigadora, incluí um número enorme de pacientes nesse estudo, a nossa experiência com o estudo foi excelente. Eu acho que a gente, obviamente, implementar uma droga de longa duração no sistema de saúde vai ter determinadas questões de adaptação, ainda mais sendo uma droga injetável, mas o fato de ser a cada seis meses, você diminui o peso nos serviços de saúde, mas tudo depende do quanto ela vai custar e como é que as pessoas vão poder, de fato, acessar a medicação no serviço. A gente gostaria, mas tem que ir para esse sentido de ter mais acesso. Os resultados da pesquisa a gente tem, que a gente esperava que fossem ser o que foram. A gente viu os resultados em Purpose 1, entre mulheres e jovens na África, e foram resultados excelentes. Então, são opções que se abrem e agora tudo depende de como elas vão chegar para a gente aqui.

A Conferência de Prevenção no Peru será seu primeiro evento como presidente da IAS, o segundo, né, a senhora tomou posse lá em Munique. Quais são as suas expectativas em relação ao evento?

Dra. Beatriz Grinsztejn: A gente tem expectativa que seja uma excelente conferência. Lima foi escolhida por ser um local onde a gente sabe que a epidemia de aids ainda se encontra numa situação bastante complexa. As populações são extremamente vulneráveis, homens que fazem sexo com homens, travestis, mulheres trans, alto nível e altas incidências de HIV no Peru. O Peru é um grande centro de pesquisa em prevenção do HIV há décadas. Então, se justifica ter uma conferência em Lima, é extremamente importante para nós, como região, extremamente importante para nós, enquanto pesquisadores na área de HIV e ISTs. Então, a gente tem uma expectativa grande que a conferência em Lima traga os olhos da comunidade internacional para a nossa região, não só para o Peru, mas obviamente para toda a região que também partilha as mesmas características da epidemia, mas o Peru tem questões mais amplas relacionadas a acesso ainda ao tratamento, a prevenção. A PrEP ainda é muito limitada, então eu acho que é extremamente estratégico que a gente esteja fazendo essa conferência em Lima. A gente vai trazer em primeira mão os resultados do estudo do Purpose 2, que vão ser apresentados em Lima na terça-feira à tarde, no dia 7 de outubro. Eu vou coordenar essa sessão, acho que vai ser uma sessão muito boa, vai se mostrar também a distribuição nas regiões do mundo. Este estudo é extremamente diverso. É um desenho de estudo diferente, que inclui uma diversidade maior. Pela primeira vez, homens trans e pessoas não binárias também foram incluídas no estudo. Então, vai ser muito interessante a gente poder apresentar em primeira mão os resultados em Lima, na nossa região, na América Latina.

 Doutora Beatriz, muito obrigada pela visita, pela entrevista.

Dra. Beatriz Grinsztejn: Posso só acrescentar uma coisinha? No dia 1º de outubro, a gente vai fazer o primeiro webinar da IAS sobre Mpox. Vai ser um webinar com a participação de pesquisadores do Brasil, da República Democrática do Congo, da Nigéria, a doutora Meg Dorte, diretora do programa de IST, da Organização Mundial de Saúde. Então, vai ser um webinar muito importante em atualização de como a gente está com essa emergência em saúde pública que continua bombando, tanto aqui em São Paulo, quanto no Rio de Janeiro. Então, todos os esforços também devem ser trazidos.

Redação da Agência de Notícias da Aids

 Dica de Entrevista

INI – Fiocruz

Tel.: (21) 3865-9144 ou 9567