A Aids Healthcare Foundation (AHF), a maior ONG global de enfrentamento ao HIV, celebra a importante conquista de 2 milhões de pessoas recebendo cuidados em todo o mundo. Para se ter a exata dimensão deste número, vivem atualmente no Brasil inteiro 1 milhão de pessoas com HIV, segundo estimativas do Ministério da Saúde. Trata-se, portanto, de uma marca importante na história da AHF, instituição criada em 1987, nos Estados Unidos, e que hoje está presente em 47 países com a missão de oferecer cuidados em saúde e defesa de direitos para todas as pessoas sem custo.

No Brasil, a AHF atua desde 2015, em parceria com governos, organizações de ensino e da sociedade civil em oito estados: São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Amazonas, Rio de Janeiro, Pará, Minas Gerais e Ceará. Nesses locais, são desenvolvidas ações de advocacy, prevenção, diagnóstico e otimização da gestão em 31 unidades de saúde, sempre com foco nas populações mais vulneráveis ao HIV/aids e nas pessoas que vivendo com o vírus. Somente neste ano de 2024, a AHF Brasil fez mais de 41,2 mil testes, com pouco mais de 1,1 mil diagnósticos positivos; e distribuiu mais de 5,6 milhões de camisinhas. O Brasil é o sétimo país em número de pacientes no conjunto de países onde a AHF trabalha, sendo responsável por quase 90 mil dos 2 milhões atendidos.

Além disso, a AHF mantém duas clínicas próprias com atendimento 100% gratuito: uma no Recife, inaugurada em 2018, específica para homens cis e trans; e outra em São Paulo, aberta em 2022, voltada para as populações chave para o HIV (gays, HSH, pessoas trans, profissionais do sexo, pessoas que usam drogas, imigrantes e população em situação de rua). Em ambas, o foco é o mesmo: acolher, diagnosticar para HIV, Sífilis e Hepatites virais, tratar as Infecções Sexualmente Transmissíveis e orientar baseada nos direitos humanos, numa abordagem sem estimas e discriminação. Nas duas unidades, mais de 100 mil atendimentos já foram realizados, tanto com foco no HIV como em outras infecções de transmissão sexual, a exemplo da sífilis, um dos maiores desafios de saúde pública no Brasil atualmente.

Nesse contexto, no qual a AHF Brasil se insere como instituição parceira e complementar da rede pública de saúde, vale relembrar um pouco da história do enfrentamento do HIV/aids no Brasil. Em primeiro lugar, temos o privilégio de viver em um país que dispõe de um Sistema Único de Saúde fundado sobre os princípios da universalidade, integralidade e equidade. Praticamente todas as conquistas brasileiras no combate ao HIV podem ser atribuídas, em grande parte, ao SUS, que garante a base de um programa completo e autossustentável, aberto à participação da comunidade.

Em 1996, fomos pioneiros na universalização do acesso ao tratamento do HIV, inclusive para imigrantes. Em 2007, o país declarou pela primeira vez o licenciamento compulsório de um medicamento antirretroviral. Mais recentemente, foram instituídos no SUS a PrEP/profilaxia pré-exposição (2018) e a universalização do tratamento da hepatite C (2019).

Hoje, o Brasil é o maior distribuidor público de preservativos internos e externos, com mais de 420 milhões de unidades oferecidas em 2022. E dos 19 medicamentos antirretrovirais disponíveis no SUS, 11 são produzidos nacionalmente. Do total de 1 milhão de PVHIV, 90% estão diagnosticadas, 81% em tratamento e 95% com carga viral indetectável.

Os desafios, no entanto, persistem. Embora a prevalência do HIV seja de 0,49% na população geral, há grupos populacionais extremamente mais vulneráveis, exigindo tanto do poder público quanto da sociedade civil estratégias e políticas de saúde que enfrentem esta realidade. Falamos, por exemplo, de mulheres trabalhadoras sexuais, cuja prevalência chega a 5,3%; de homens gays e que fazem sexo com outros homens com mais de 18 anos (18,4%); travestis e mulheres trans acima dos 18 anos (36,7%).

Além do atendimento direto às pessoas, seja na prevenção, no diagnóstico ou no tratamento, a AHF Brasil tem consolidado sua atuação como instituição de advocacy. Marcamos presença, por exemplo, em fóruns com espectro de atuação regional e global, como o C20/G20 e as negociações do tratado e do fundo de pandemias. Também atuamos em momentos críticos, como na distribuição de alimentos e itens de higiene pessoal para comunidades sob nossos cuidados e de nossos parceiros durante a pandemia de covid-19; e na orientação da população geral e acolhimento de PVHIV em tratamento no Rio Grande do Sul durante as enchentes de 2024.

É motivo de muito orgulho e alegria para a AHF chegar ao marco histórico de 2 milhões de pessoas sob cuidados em todo o mundo. Quando lançamos nossos programas globais, há mais de 20 anos, na África do Sul e em Uganda, com 100 pacientes em cada país, nunca imaginamos que um dia chegaríamos a esta marca, como diz Michael Weinstein, presidente da AHF. “É uma honra e um testemunho do compromisso de nossa equipe, parceiros e voluntários, que se esforçam incansavelmente para fazer a diferença na vida das pessoas que vivem com HIV/aids.”

Aqui no Brasil, nossa a atuação da AHF tem sido fundamental na resposta do país ao HIV/aids, sempre somando esforços à rede pública de saúde, para garantir que a população tenha acesso e apoio necessário na testagem, diagnóstico e tratamento de ISTs, sem preconceitos nem julgamentos. É isso que nos move todos os dias.

* Beto de Jesus é diretor da AHF Brasil.