Na tarde da última sexta-feira (30), o seminário “Caminhos para Prevenção: Ampliação do Acesso e Promoção da Equidade” trouxe para o centro do debate as experiências e desafios enfrentados pelas populações mais afetadas pelo HIV no Brasil. Promovido pelo Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e IST (DATHI/SVSA/MS), o evento destacou a importância de políticas inclusivas e de recursos adequados para combater a epidemia de HIV com equidade.

A terceira mesa do seminário, intitulada “Prevenção Combinada pelo Olhar das Populações Mais Afetadas pelo HIV”, foi mediada por Julio Moreira, diretor sociocultural do Grupo Arco-Íris (RJ). Durante a sessão, foram apresentados dados alarmantes sobre a prevalência do HIV, especialmente entre jovens de 15 a 29 anos, pessoas negras, homens que fazem sexo com homens (HSH), e mulheres trans e travestis.

Julio Moreira, ao citar informações do Unaids publicadas em um folheto da Rede Brasileira de Jovens Vivendo com HIV, ressaltou que o Brasil continua a enfrentar taxas preocupantes de novas infecções e óbitos relacionados ao HIV. Além disso, destacou as disparidades raciais e de gênero que agravam o cenário, especialmente pela falta de dados específicos sobre homens trans, um grupo frequentemente invisibilizado nas estatísticas.

Uilian Ferreira de Jesus, educador comunitário da ImPrEP (BA), iniciou sua apresentação destacando a importância da juventude gay como agente transformador na prevenção ao HIV. Uilian compartilhou sua trajetória como jovem negro periférico, engajado em ações comunitárias para preencher lacunas deixadas pela sociedade e por pais que não discutem prevenção adequadamente.

“A educação sexual vai muito além de ensinar sobre sexo; é sobre prevenção, testagem regular e acesso a tecnologias como PrEP e PEP”, afirmou. Ele enfatizou a eficácia de iniciativas como seu projeto de intervenção via WhatsApp humanizado, que tem alcançado jovens em Salvador, transmitindo informações sobre prevenção de forma acessível em festas, boates e outros espaços comunitários.

Políticas inclusivas

Damiana Neto, coordenadora da Ação Mulheres pela Equidade (AME/DF), trouxe uma visão crítica sobre o acesso à prevenção do HIV para pessoas trans e travestis. “Precisamos reconhecer o impacto do racismo na vida de pessoas trans e negras”, disse. Damiana argumentou que a prevenção combinada precisa considerar essas múltiplas camadas de opressão e garantir políticas mais inclusivas, enfatizando a urgência de recursos financeiros para efetivar tais ações.

“Nós, mulheres trans negras, somos as mais afetadas e frequentemente deixadas para trás”, afirmou, chamando atenção para a importância de incluir raça e gênero como fatores decisivos na criação de políticas de saúde.

Ela também reforçou como a escuta das necessidades reais das pessoas nos territórios pode transformar as estratégias de prevenção. Ao compartilhar uma experiência em uma oficina de prevenção combinada no Marajó, Damiana salientou que, para muitas mulheres, a prevenção não se resume a métodos formais, mas envolve decisões práticas e cotidianas sobre proteção sexual e acesso à saúde.

Por fim, ela evidenciou que políticas sem recursos adequados são insuficientes e criticou a persistente falta de financiamento para iniciativas voltadas a grupos marginalizados. “Quando é para preto, pobre, puta e gay, nunca tem dinheiro”, afirmou, reforçando a necessidade de uma gestão comprometida com a equidade.

Barreiras e exclusão

Com uma abordagem fundamentada em sua experiência prática e vivências no campo, Marcelo Lucena, médico do Ambulatório Trans de Florianópolis, abordou a exclusão e as barreiras enfrentadas por essa população, desde o medo da violência até a estigmatização no atendimento.

Ele mencionou a importância de reconhecer o contexto brasileiro, onde o acesso à saúde para pessoas trans ainda é limitado e desigual. “Estamos falando de um Brasil que lidera o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans há 14 anos consecutivos, sendo que a maioria dessas vítimas são mulheres trans e travestis racializadas”, pontuou. O médico ressaltou como a cisnormatividade – a ideia de que corpos cisgênero são mais válidos – contribui para a exclusão dessa população de serviços básicos de saúde, perpetuando um ciclo de vulnerabilidades, como a expulsão escolar, a violência intrafamiliar e a falta de acesso ao mercado formal de trabalho.

Lucena também apresentou dados alarmantes sobre a prevalência de HIV entre mulheres trans e travestis em situação de vulnerabilidade, como privadas de liberdade e imigrantes, que chega a cerca de 20%. “Esse número deveria chocar, mas infelizmente muitas vezes já é visto com uma certa normalização”, afirmou. Além disso, ele destacou a ausência de dados robustos sobre a prevalência do HIV entre homens trans e pessoas transmasculinas no Brasil, mencionando um estudo dos Estados Unidos que aponta uma prevalência de 3,2%.

Durante a apresentação, Lucena também compartilhou a trajetória do Ambulatório Trans de Florianópolis, que nasceu em 2015 de uma iniciativa comunitária e de movimentos sociais, e que só em 2021 passou a ser reconhecido institucionalmente. O serviço, que inicialmente funcionava de forma descentralizada, foi essencial para promover um atendimento integral à população trans, indo além das questões de modificação corporal e abordando também a saúde mental e a prevenção combinada do HIV.

Ele citou a parceria com o projeto “Hora é Agora”, iniciada em 2020, que permitiu a ampliação das estratégias de prevenção, incluindo a disponibilização de medicamentos para hormonização de forma gratuita. Essa mudança aumentou significativamente o número de pessoas atendidas, proporcionando um cuidado mais inclusivo e acessível.

Lucena encerrou sua fala enfatizando a importância de uma abordagem interseccional e descentralizada no atendimento à população trans. “Não podemos falar de prevenção de forma isolada. A população trans precisa ser vista como um todo, com suas individualidades, e não como um bloco homogêneo. Só assim conseguiremos ampliar o acesso à saúde e promover a equidade no cuidado”, concluiu.

 

Redação da Agência de Notícias da Aids

 

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