Na mira do Centrão e com a gestão criticada até pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse nesta quinta-feira (21) que segue à frente da pasta da Saúde, citou que é alvo de pressões e comentários machistas e afirmou que não precisa mudar de postura para ser respeitada.

“Permaneço no ministério por decisão do presidente Lula. Naturalmente, minha também, porque com toda a exposição, pressão, comentários machistas, etc…”, afirmou a ministra durante reunião da comissão que reúne representantes da pasta e das secretarias municipais e estaduais de saúde.

A ministra é alvo frequente de reclamações do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do centrão, o grupo político que mantém pressão sobre o governo por mais verbas da Saúde.

Na segunda-feira (18), ela também foi cobrada pelo presidente Lula (PT) por crises enfrentadas pela Saúde, como a epidemia de dengue e a situação dos hospitais federais do Rio de Janeiro.

Em resposta às críticas, a ministra demitiu nesta semana Helvécio Magalhães do cargo de secretário de Atenção Especializada, uma das pastas mais cobiçadas do ministério por gerir mais de R$ 70 bilhões em repasses para custeio e investimento em hospitais e ambulatórios.

Nísia também retirou Alexandre Oliveira Telles do cargo de diretor do Departamento de Gestão Hospitalar no Estado do Rio de Janeiro. O ministério ainda tem sido cobrado para liberar rapidamente a verba de emendas e não travar que recursos cheguem aos redutos políticos de deputados e senadores.

No Palácio do Planalto, a avaliação é que melhorias na área da saúde poderá melhorar a popularidade do governo, hoje em queda.

Em julho de 2023, o centrão já pressionava pela demissão da ministra. Na época, especialistas em saúde pública, ex-diretores do Departamento de Aids do Ministério da Saúde disseram à Agência Aids que a ministra tem plena capacidade para costurar no governo políticas de inclusão que abranjam prevenção e tratamento e cheguem também aos mais vulneráveis.

Relembre a seguir:

Dra. Mariângela Simão, pediatra, diretora-presidente do Instituto Todos pela Saúde e ex-diretora do antigo Programa Nacional de DST/Aids: “Para uma política eficaz de enfrentamento ao HIV é preciso entender que a doença estigmatiza os infectados e que algumas populações são mais atingidas do que outras. Precisamos de uma atuação integrada, que una saúde e direitos humanos, e a ministra Nísia Trindade tem plena capacidade para costurar no governo políticas de inclusão que abranjam prevenção e tratamento e cheguem também aos mais vulneráveis.”

Dr. Fábio Mesquita, médico epidemiologista e ex-diretor do Departamento de Aids no Brasil: “Como militante da Reforma Sanitária que contribuiu na mudança da Constituição de 88, para que a Saúde passasse a ser um direito do povo e um dever do Estado, e mais tarde fosse constituído o Sistema Único de Saúde (SUS), fiz uma denúncia aberta quando Dilma foi deposta, de que o centrão, sob a comando de Ricardo Barros, era uma ameaça de destruição de uma luta histórica pelo direito à saúde do povo brasileiro. Dito e feito, entre membros do centrão e militares, os ataques ao SUS dos últimos 6 anos foram muito graves. Por isto defendo a permanência da ministra Nísia Trindade, para que os inimigos do SUS do centrão não voltem a governar o Ministério da Saúde. Vemos pela resposta à epidemia de HIV/Aids, ISTs e Hepatites Virais, que ainda há muito por fazer para recuperar os estragos dos últimos governos, sem falar das inovações imprescindíveis, e o centrão não se interessaria por isto.”

Dra. Adele Benzaken, infectologista, diretora médica do Programa Global da Aids Healthcare Foundation (AHF) e ex-diretora do Departamento de HIV/Aids:  “O posicionamento tem como foco os princípios da equidade, humanização e universalização do acesso que regem o SUS e sempre foram bandeiras defendidas pela Nísia, seja enquanto ativista social, pesquisadora e, por dois mandatos, presidente da Fiocruz, mesmo durante o período sombrio do governo anterior. Como ministra da Saúde, essa contribuição da Nísia ao SUS se faz efetiva.  O que tem sido realizado em IST/HIV Aids é retomar o nome do Departamento, campanhas, popularização dos métodos de prevenção e o acesso às políticas de distribuição de medicamentos. Foram quatro anos de retrocesso, com uma pandemia no meio, que impactaram muito a saúde. Precisamos sair desse fosso da história recente do Brasil em que fingiram que o problema não existia ou só existia na casa do vizinho, numa visão carregada de dogmas de que a aids é um castigo, foi um erro grave que nunca mais deve ser cometido no Brasil. Por isso, a presença da Nísia se torna tão imprescindível num momento de reconstrução como este que vivemos.”

Alexandre Granjeiro, ex-diretor do Departamento Nacional IST/Aids e pesquisador: “O Ministério da Saúde e a ministra Nísia Trindade têm sido, nos últimos dias, alvo de injustificáveis acharques políticos, com o único objetivo de desviar a atuação da área e favorecer interesses privados. É inadmissível. O acesso à saúde tem sido umas das principais demandas da população para as políticas públicas, diante da insuficiência do sistema de saúde em prover serviços de qualidade. Isso tem sido agravado nos últimos anos, precisamente pelo descaso na condução do Ministério da Saúde, marcado pelo uso político e gestões catastróficas, que desconsideraram evidências científicas, desprestigiaram profissionais e especialistas e aparelharam a pasta para desenvolver políticas que violavam os direitos essenciais. As consequências foram visíveis, com piora dos indicadores de saúde e aumento de mortes absolutamente evitáveis. O único caminho para reverter esse quadro de urgência é romper esse ciclo vicioso e consolidar uma gestão estritamente técnica, com reconhecimento e capacidade para mobilizar instituições, gestores, pesquisadores, profissionais e população entorno de um projeto que garanta saúde para todos, de acordo com suas necessidades. Ao Congresso Nacional e, especialmente ao agrupamento chamado de centrão, cabe exercer o seu papel no atendimento da demanda popular: garantir o financiamento e as condições essenciais para a adequada estruturação do sistema de saúde. Torço para que o governo mantenha esse entendimento e a política iniciada.”

Dr. Pedro Chequer, médico epidemiologista, ex-diretor do Programa Nacional de Aids e ex-coordenador do Unaids no Brasil, Rússia, Moçambique e países do Cone Sul: “Nísia Verônica Trindade Lima: cientista social, socióloga, pesquisadora e professora universitária, presidente da Fundação Oswaldo Cruz entre 2017 e 2022. Em que pese seu alinhamento ideológico com o atual governo, sua escolha para gerir o Ministério da Saúde foi acima de tudo, técnica.  Além de seu inquestionável currículo, tomaria como referência sua gestão à frente da Fundação Oswaldo Cruz durante o período acima referenciado, para credenciá-la de modo inequívoco para o cargo que atualmente ocupa. Trabalhou com competência e demonstrou alta capacidade administrativa e de gestão da coisa pública durante seu exercício como “servidora do público. Durante a última pandemia, demonstrou habilidades como negociadora e visão política, ciosa da utilização apropriada e sem dolo dos recursos do contribuinte. Poderia citar um elenco de resultados de sua gestão, mas gostaria de registrar apenas um: A construção de um centro hospitalar destinado ao atendimento dos pacientes de Covid-19, com 200 leitos, em tempo recorde. Enquanto estruturas provisórias eram montadas em todo país com recursos federais, algumas das quais nem mesmo chegaram a entrar em operação e outras investiram em equipamentos que em alguns casos, apesar de pagos, jamais foram entregues, Dra. Nísia, como gestora da Fiocruz optou por uma solução definitiva que posteriormente continuasse como referência para o país na área de infecciosas, sob a gestão do Instituto Evandro Chagas.  Enquanto isso, proliferaram desvios e malversação de recursos públicos que, segundo levantamento da Controladoria-Geral da União em 2022, aponta um prejuízo em desvio de recursos para a Covid-19 destinados a estados e municípios que pode chegar a R$ 300 milhões. Ainda que se possa considerar inapropriado e lesivo ao interesse público, o loteamento de cargos como objeto de negociação, nem sempre a atender os interesses do país, quase invariavelmente se tem como uma prática na república desde a redemocratização. Na ausência de seu completo banimento, que sejam preservadas as áreas da saúde e educação, com vistas a prevalecer os critérios exclusivos técnico e de interesse público. É com apreensão que tomamos conhecimento pelos meios de comunicação de investidas de determinados setores, já conhecidos por interesses não tão republicanos, em interromper a atual gestão do MS com a indicação ou até mesmo imposição de outro nome.  A experiência que tivemos com as duas últimas gestões não pode se repetir, sob pena de vermos o avanço do desmonte progressivo do SUS e a consequente deteriorização da rede pública com reflexos imediatos na implementação de seus programas prioritários.” 

Dicas de entrevista:

Fábio Mesquita

E-mail: mesquitaberkeley@hotmail.com

Adele Benzaken

E-mail: adele.benzaken@ahf.org

Pedro Chequer

E-mail: pchequer11@gmail.com

Alexandre Granjeiro

E-mail: ale.grangeiro@gmail.com

 

Redação da Agência de Notícias da Aids