“Minha deficiência não me limita, muito menos na hora do prazer”, diz Taís Coutinho, de 34 anos, empreendedora do mercado erótico. Cega há quase seis anos, criou a ‘Blind Sexy’, uma loja especializada no atendimento a pessoas com deficiência, além de atuar como orientadora sexual. “Sou uma sexy coach em formação de sexóloga pela Associação Brasileira dos Profissionais de Saúde, Educação e Terapia Sexual (ABRASEX)”, explica.

Em entrevista ao blog Vencer Limites e à coluna Vencer Limites na Rádio Eldorado, Taís Coutinho, ou Dona Blind, fala sobre os tabus que ainda cercam a sexualidade das pessoas com deficiência e de que maneira consegue quebrar barreiras além da acessibilidade em produtos eróticos e de comportamento.

“Deficiência não pode limitar prazer. E não precisa ser, necessariamente, prazer sexual, mas prazer de viver, estar no meio das pessoas, conviver nos ambientes que você gosta, se sente bem”, afirma.

“A inspiração que tive para que a ‘Blind Sex’ existisse foi a conscientização das pessoas com deficiência sobre a própria sexualidade, fazendo com que despertassem dentro de si essa consciência de que podem sim ter o direito de sentir prazer”.

Taís Coutinho (Dona Blind) – Há quatro anos resolvi empreender no mercadeiro erótico porque descobri que existia uma dificuldade muito grande das mulheres com deficiência de acessar e adquirir esses produtos. Não tinham um suporte para saber como comprar, o que comprar e como utilizar. Então, veio a ideia de criar a Blind Sexy, ‘a loja que acessibiliza o seu prazer’, um sex shop online, exclusivamente pelo WhatsApp, com vendas de produtos cosméticos sensuais, eróticos.

Faço eventos, chá de lingerie, rodas de conversa e dou dicas de produtos. Tenho uma linha de transmissão com dicas, são as ‘Dicas da Dona Blind’, de produtos, como usar, técnicas de sensualidade. Estudo sexologia no instituto da própria Abrasex e tenho autonomia para falar sobre determinados assuntos. Também organizo encontros presenciais em associações de pessoas com deficiência, palestras e venda dos meus produtos, esclareço dúvidas.

Faço consultoria por um valor simbólico de R$ 69 para a pessoa pode eliminar dúvidas e dificuldades na sexualidade. Costumo dizer que, ‘para quem gosta, é meia nove’. Esse atendimento online tem uma hora. Muitas vezes, a pessoa tem maior dificuldade de falar com a família, amigos, não tem uma rede de apoio, de confiança.

Quando necessário, tenho apoio da Abrasex com a clínica popular de terapeutas sexuais, de sexólogis, com atendimento gratuito.

blog Vencer Limites – Você confecciona produtos específicos, acessíveis, ou só revende de outras marcas? Há itens acessíveis para determinado tipo de uso, para quem é cego, surdo, tem dificuldade de mobilidade?

Taís Coutinho (Dona Blind) – Infelizmente, no Brasil, não temos nenhum produto da linha erótica desenvolvido exclusivamente para pessoas com deficiência, mas o mercado erótico se renova a cada três meses. Então, acredito que existam, sim, coisas que possam ser adaptadas. Talvez um sugador clitoriano que tenha uma anatomia mais fácil para pega, coisas assim. Todas as vezes que eu posso, chamo a atenção para fabricantes fazerem algo voltado à pessoa com deficiência, explico as dificuldades dos meus clientes, as minhas próprias necessidades. É um trabalho de formiguinha, mas que um dia terá bom efeito.

Tenho um catálogo online onde faço a descrição, por exemplo, de uma lingerie, camisola com tecido em cetim, bordados em renda de flores na cor vermelha, douradas, e juntos decidimos o que é bom e o que se encaixa para o que o cliente deseja. Meu diferencial é o atendimento personalizado porque não consigo produzir nenhum nada exclusivo.

Consegui que uma marca produzisse vídeos com descrição do produto e como usar. Essa marca mudou as embalagens e adicionou QR Code para uma pessoa cega abrir a câmera do smartphone e ter todas as informações sobre o produto.

Muita coisa vem de fora e os fabricantes estrangeiros ainda desconhecem que o Brasil tem um mercado grande de consumidores de produtos eróticos.

Existe um grande tabu sobre a sexualidade da pessoa com deficiência e pelo menos um pouquinho eu consegui quebrar. Se todos nós tivéssemos melhor educação sexual, muitos tabus hoje não existiriam. Aprendi que o maior tabu da sexualidade das pessoas com deficiência começa dentro da própria pessoa com deficiência, e a Blind Sexy faz a desconstrução desse tabu.

Uma rede de apoio é necessária para pessoas que sofreram abuso sexual, que estão sempre numa linha de risco porque não têm a autoestima elevada para achar que podem ter sim relacionamentos amorosos, afetivos ou apenas sexuais com pessoas sem deficiência.

Meu sonho de ter um sex shop começou quando eu tinha 19 anos. Antes, estudei contabilidade e fui trabalhar na área contábil até que então eu me descobri cega e tive que me aposentar como contadora. Era a hora de colocar meus sonhos para acontecerem. Encontrei essa deficiência do mercado. Se lojistas não conseguem atender pessoas com deficiência, eu vou atender.

Consigo, de uma maneira pequena para alguns e grandiosa para outros, atingir a vida das pessoas. Eu percebo a dificuldade das meninas, principalmente das cegas, em ter uma rede de apoio, uma pessoa de confiança para falar sobre a sexualidade. E entender que ninguém nasce sabendo, que não é vergonha perguntar, pedir para explicar como são as coisas. E eu acho que ajuda bastante eu já ter enxergado, ter essa vivência.

blog Vencer Limites – Quais barreiras comportamentais que você encontra nesse trabalho, os principais bloqueios? Como se quebra esses bloqueios, derruba essas barreiras?

Taís Coutinho (Dona Blind) – Com educação sexual. Falar para a pessoa com deficiência que a sexualidade dela existe sim e há formas de trabalhar não só com o ato sexual. Existe a ideia de que o sexo, o ato sexual, é somente quando há penetração. E a gente precisa desconstruir isso, mostrar que a sexualidade é um bolo de várias camadas e o ato sexual é somente a cerejinha desse bolo, lá no topo. Antes disso vem muito também é gostoso. Mostrar que existem meios para que você consiga colocar em prática essa sexualidade de uma forma natural, que você tem capacidade de estar em todos os ambientes. Se o ambiente não for adaptado para suas necessidades, você tem canais que possam ser alertados porque você quer participar desses ambientes.

Faço encontros para casais em clubes liberais, uma vez ao ano, eles têm a vivência, quebram seus tabus, muitas vezes vão só por curiosidade, não gostam e não querem voltar mais, e está tudo bem. Levo mulheres no clube das mulheres, para dançar com com o gogoboy. Muitas que não têm direito de estar ali, que o gogoboy não vai puxar para dançar porque ela tem uma deficiência, ela na cadeira de roda, ela tem pouca mobilidade

Tudo começa com a educação sexual. Observo nas associações, nas conversas que há uma grande deficiência na educação sexual das pessoas com deficiência, muitas vezes até por parte da família, que impede orientadores e terapeutas de iniciarem essa educação sexual.

Precisamos falar, ‘olha, isso faz parte da vida de qualquer pessoa, independente se tem deficiência ou não’. Precisa ser falado, porque quando a pessoa é informada, educada para certos tipos de situações, ela sabe como lidar.

blog Vencer Limites – Considerando que pessoas com deficiência estão presentes em todos os grupos, sem distinção social, étnica, religiosa, de entendimento sobre a própria sexualidade e os tabus da sociedade, você trabalha com todos os tipos de sexualidade, sempre no universo da pessoa com deficiência?

Taís Coutinho (Dona Blind) – Sim, eu trabalho com qualquer tipo de orientação sexual ou identidade de gênero, porque o indivíduo é único, a sua sexualidade é única e o meu trabalho vem para atender aquilo que a pessoa deseja. Eu vendo os produtos, ela me fala daquilo que ela deseja e eu ofereço aquilo que eu tenho de produto para que ela possa usufruir melhor. E aí, quando avalio a necessidade de algo mais aprofundado, encaminho elas para terapia sexual, para um sexólogo mais avançado, inclusive sexólogos que são psicólogos, nessa clínica de atendimento popular da Abrasex.

blog Vencer Limites – Com a ausência de acessibilidade nesse setor e casos pontuais em que você encontra realmente algo com mínimo acesso para pessoas com deficiência, qual é o caminho?

Taís Coutinho (Dona Blind) – É difícil criar algo que seja bom para todas as pessoas com deficiência, sendo que cada uma tem suas especificidades. Eu, por exemplo, sou cega há cinco anos e tenho algumas habilidades que uma pessoa cega desde o nascimento não tem.

Acredito que é válido fazer um estudo de mercado para reunir relatos e apresentar uma proposta boa para alguma empresa desenvolver um projeto de produto a partir dessas necessidades.

Existem vestimentas hoje, no mercado a moda acessível, que geralmente atende cadeirantes, com naior facilidade para fechamento da roupa, com botão ou velcro. Para a vestimenta íntima, quando você fala de moda íntima, principalmente a feminina, sexual e erótica, não tem como ter algo muito modificado. São jeris em renda, calcinhas fio dental ou mais larga. Sempre será em renda os detalhes. O que faço na consultoria é identificar que produto seria útil na situação daquela pessoa, que facilitaria o uso por aquela pessoa. com as dificuldades dela.

Há uma dificuldade no mercado erótico, principalmente nos sexy toys, de entender que a pessoa com deficiência também é usuária de produtos eróticos. Fabricantes ainda não têm essa visão. Vem muita coisa de fora e talvez lá fora, as pessoas com deficiência já tenham se adaptado melhor.

A tecnologia mudou bastante desde 2021 nos sexy toys, a maior parte usa carregamento por entrada USB, liga em botão por pressão, aperta por 3 segundos e liga, muda a função no mesmo botão que liga e desliga. Hoje é muito mais fácil limpar, muita coisa mudou, isso facilita no dia a dia para uma pessoa com deficiência.

blog Vencer Limites – E o devotee, indivíduo que sente atração específica por pessoas com deficiência, você também atua nessa característica?

Taís Coutinho (Dona Blind) – Conheço pessoas que têm esse perfil e conheço pessoas com deficiência que se relacionam com pessoas que têm esse perfil, com esse desejo, mas não tenho muito contato nem proximidade. Há pontos positivos e negativos. Oriento sempre minhas clientes, amigas, homens também, que prestem muita atenção, porque a gente vê muito relacionamento abusivo, tóxico, pessoas de muito mau caráter, que querem se aproveitar de qualquer benefício que possam ter em cima da pessoa com deficiência.

Contato – Quem tiver interesse em conhecer mais sobre o trabalho de Taís Coutinho pode fazer contato pelo WhatsApp (+55 11 98952-9459) ou no email blindsexyvendas@gmail.com.