Uma das questões que mais me mobiliza no início de um novo ano é a esperança de dias melhores. Esperança é sinônimo de possibilidades, de construção e crescimento. Ao longo dos últimos anos, passei por muitas questões que me paralisaram, mas todo o desafio se transformou em aprendizado e abertura de novas fronteiras.
Na luta contra a aids, desde que recebi meu diagnóstico reagente, convivi com este sentimento de sempre acreditar que poderia viver de forma intensa e produtiva sem deixar me abater, seja pelas questões de saúde, seja pelas questões sociais ou outras.
Quinze dias após conhecer meu estado sorológico, com a ajuda de uma grande amiga, que na época era assistente social do Hospital do Servidor Público, procurei me encontrar e ganhar força entre iguais. A visita a grupos de apoio, como o Gapa/SP, o Grupo Pela Vidda/SP e o GIV, me fizeram entrar de cabeça na luta.
Ao longo dos anos vi pessoas que como eu tiveram sede pela vida, e outras que se deixaram abater, ou melhor, que não tiveram o suporte necessário para atravessar os percalços desta condição. O estigma e o preconceito fizeram muitas pessoas não suportar o HIV, com o isolamento social ou a propagada “morte civil”, aos poucos foram deixando de acreditar que viver com HIV era possível.
Não quero aqui transformar o HIV e Aids em coisas normais ou boas, mas dizer que a partir deles redescobri minha própria essência e a vontade de viver a cada dia de forma única. A questão de minha orientação sexual, sempre tratada de forma velada e como impura e fruto do pecado, recebeu novo significado. Fui seminarista e viver o dilema ter a fé católica, mas com o sentimento de não pertencimento e respeitado, foram bastante geradores de conflitos em minha adolescência e juventude. Hoje, felizmente, o Papa Francisco dá nova roupagem ao acolhimento e as pregações de Jesus. Quiçá isto seja seguido pelos cristãos de todas as denominações. Que 2024 possa trazer a luz o verdadeiro espirito da religiosidade, sem falsas palavras que punem mais que o próprio Deus.
No início deste novo ano, o que mais desejo é que a solidariedade e empatia se fortaleçam, trazendo a aplicação de possibilidades de reconstrução e construção de vidas livres da discriminação de qualquer natureza. Que a “sorofobia”, a “homotrasfobia” e todas as “fobias” sejam coisas do passado.
Ao mesmo tempo tenho esperança, que superada a fase mais obscura do negacionismo, possamos avançar cientificamente rumo a eliminação da aids e do HIV. Que possamos ter reduzidas a zero o número de óbitos em decorrência da aids. Metodologias e tratamento temos, precisamos quebrar as barreiras para chegar aos mais vulneráveis e excluídos dos processos de acesso. Nosso olhar precisa estar direcionado, dentro dos princípios do SUS, para estas camadas da população. Pessoas em situação de rua, periféricas, pretas, do gênero feminino têm direitos a serem assegurados.
Não acredito que pessoas abandonem seus cuidados, acredito que o Estado e a própria sociedade é que são os responsáveis por esta questão. Que possamos superar esta visão que também transfere para as pessoas a culpa pela condição em que se encontram.
Que não nos esqueçamos dos “Jorges”, das “Marias”, dos “Potys”, das “Cidas”, e de tantas pessoas que deram muito de seu suor para que pudéssemos chegar até aqui. Sem também deixar de valorizar os “Gustavos”, “Daivds”, Allans”, “Rebecas”, “Julias”, “Priscilas” e tantas outras pessoas que se agregam a nossa causa, pessoas tão necessárias na revitalização de nossos frontes.
Que o Velho e o Novo se fundam para que tenhamos dias melhores.
Que venha 2024!
* Eduardo Barbosa é professor, ativista, coordenador do Mopaids (Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids, coordenador do Centro de Referência da Diversidade Brunna Valin e membro do Grupo Pela VIdda São Paulo.