Sem atenção científica e comercial, moléstias alimentam ciclos de pobreza
Cerca de 68 milhões de pessoas nas Américas são afetadas por doenças tropicais negligenciadas, segundo a Organização Mundial da Saúde. Enquanto algumas doenças estão no foco do clássico sistema de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de medicamentos, outras recebem pouco investimento para inovação e descoberta de novos tratamentos seguros, eficazes e acessíveis.
É esse quadro de negligência que caracteriza um grupo de 20 doenças tropicais classificadas pela OMS que atingem, sobretudo, pessoas em situação de vulnerabilidade com escassos recursos financeiros, acesso limitados aos serviços de saúde e vivendo em áreas remotas.
A iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês) foi criada há 20 anos em resposta à frustração de médicos e ao desespero de pacientes diante de um cenário de medicamentos ineficazes, tóxicos, inacessíveis ou até mesmo inexistentes para tratar doenças tropicais tais como dengue, chagas, leishmanioses, HIV pediátrico e hepatite C, entre outras.
As doenças tropicais negligenciadas alimentam ciclos de pobreza à medida que reduzem a capacidade de aprendizagem e a produtividade dos indivíduos. O compromisso da DNDi com os países da América Latina é disponibilizar novos tratamentos para pessoas negligenciadas na região a fim de melhorar suas condições de vida. Também é nossa missão fortalecer as capacidades de pesquisa e desenvolvimento locais para o enfrentamento de problemas de saúde pública e atuar na defesa de políticas públicas que atendam às necessidades das pessoas que mais precisam.
Indústria negligencia doenças tropicais
O escopo do nosso trabalho é descobrir medicamentos, e as parcerias são o meio. Trabalhamos em alianças, destacando a cooperação Sul-Sul em prol da inovação médica. Nos últimos 20 anos, disponibilizamos 12 novos tratamentos graças a estreitas colaborações com universidades, parceiros industriais, autoridades nacionais, sociedade civil e institutos de pesquisa nos países mais afetados por essas doenças.
Em reconhecimento a duas décadas de trabalho ininterrupto em cinco continentes, a DNDi recebeu recentemente o Prêmio Princesa de Astúrias de Cooperação Internacional 2023 em um evento presidido pelo rei e pela rainha da Espanha. O prêmio, distribuído pela Fundação Princesa de Astúrias e considerado o de maior prestígio no país europeu, reconhece as conquistas da DNDi para disponibilizar tratamentos novos, seguros, eficazes e acessíveis para algumas das doenças mais negligenciadas do mundo.
“Mais de 1 bilhão de pessoas em situação de vulnerabilidade —a metade delas crianças— sofre de um conjunto de doenças que causam graves estigmas sociais e milhões de mortes por ano. São doenças negligenciadas pela pesquisa científica, pela indústria e pelo desenvolvimento de medicamentos com fins comerciais”, escreveu um jurado para justificar o voto —o que para a gente foi uma honra. Celebramos a oportunidade de que este prêmio contribuía a uma maior visibilidade das pessoas negligenciadas.
O Brasil é um país central para o desenvolvimento da nossa estratégia. O escritório para América Latina fica no Rio de Janeiro, onde viemos trabalhando com parceiros estratégicos como Fiocruz, Universidade Federal de Minas Gerais e Médicos sem Fronteiras, dentre outros, na busca ativa por financiamento para atividades de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos para dengue, por exemplo.
Hanseníase atinge os mais pobres e encontra barreiras no preconceito
Uma doença tropical negligenciada sensível ao clima é uma das dez principais ameaças à saúde pública global. O escritório regional também trabalha com projetos de acesso ao diagnóstico e tratamento para a doença de Chagas, leishmanioses e hepatite C.
Ao longo de seus 20 anos de história, a DNDi desenvolveu vários tratamentos para essas doenças graves, e a estratégia da organização para o futuro inclui um plano ambicioso de desenvolvimento de novos medicamentos e tratamentos para melhorar a qualidade de vida e salvar milhões de pessoas no mundo todo.
Fonte: Folha de S.Paulo