O chazinho de boldo contra má-digestão, uma imposição de mãos para renovar as energias ou as finas agulhas inseridas no corpo para aliviar dores. Em algum momento da sua vida, você deve ter tido contato com essas ou outras terapias integrativas, algumas usadas há milhares de anos como tratamentos de saúde em culturas e comunidades.

Em Paulínia, no interior de São Paulo, práticas integrativas e complementares (PICS) estão disponíveis na rede pública de saúde, inclusive no serviço especializado em HIV/aids da cidade. De acordo com o infectologista Carlos Sabioni, é comum em sua prática clínica encontrar pacientes com dores e, depois de um reiki, por exemplo, a dor sumir. “As práticas integrativas já foram chamadas de práticas alternativas. Hoje, considero que deveriam ser chamadas de práticas essenciais em saúde. O que adianta um paciente HIV positivo ter carga viral indetectável e não conseguir dormir? Sem falar na saúde mental”, questionou o médico, adepto da auriculoterapia, uma técnica derivada da acupuntura, que faz pressão em pontos específicos da orelha para tratar e diagnosticar diversos problemas físicos, mentais e até emocionais.

O especialista participou neste sábado (11), do X Encontro Nacional das Cidadãs Posithivas, que acontece em São Paulo, e garantiu as PICs não substituem o tratamento antirretroviral. “As práticas integrativas contribuem para a qualidade de vida, acolhimento e promoção da saúde, mas a adesão ao tratamento é fundamental.”

Citadas acima, a fitoterapia (uso de plantas medicinais como remédio), o reiki (aproximação ou toque no corpo para reestabelecer o equilíbrio energético) e a acupuntura (inserção de agulhas em locais anatômicos para bem-estar) são apenas três das 29 práticas integrativas e complementares (PICS) disponíveis no Brasil via Sistema Único de Saúde (SUS).

Como explicou Eliane de Figueiredo, responsável pelo Programa Municipal de PICs em Paulínia, as PICs são recursos que “buscam a prevenção de doenças e a recuperação da saúde, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade.”

Presentes no SUS desde 2006, as medicinas tradicionais, complementares e integrativas são reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mas não são consenso entre médicos e cientistas. Se, por um lado, há quem defenda o uso de terapias alternativas para a diminuição de sintomas ou até a cura de doenças, por outro há quem condene as PICS por falta de evidências científicas, como ocorre com a medicina convencional. “É comum encontrar colegas médicos que não acreditam nestas terapias, até chamam de charlatanismo. Mas posso garantir que tem feito a diferença na vida dos meus pacientes. Assim como tem remédios que não funcionam para determinadas pessoas, há PICs que também não vão funcionar, temos que ir ajustando”, explicou o médico.

Em Paulínia, segundo o dr. Carlos, existe no serviço de aids uma Farmácia Viva, com plantação e cultivo de ervas medicinais. “Não podemos esquecer, por exemplo, que chá também é remédio. Se tomar alecrim à noite, a pessoa não dorme. Para dormir, é camomila.”

Eliane destacou no bate-papo como as Cidadãs Posithivas que sua equipe trabalha sempre com muito empenho e cuidado. “Trabalhamos instrumentalizando as pessoas para busca de autoconhecimento e cuidados para si mesmas, possibilitando uma maior qualidade de vida. O mais importante, tudo no SUS, de forma gratuita.”

Entusiasta das práticas integrativas, a ativista Jenice Pizão, do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas, contou que há muitos anos as PICs integram o seu dia a dia. “Faço reiki, yoga, dança circular, são práticas que vão se somando a minha busca incansável por qualidade de vida.”

PICs no SUS

Dados levantados pelo Ministério da Saúde mostram que a procura por terapias alternativas no SUS aumentou nos últimos anos:

  • De 2019 até a metade de 2022, 84% dos municípios brasileiros (4.665) ofertaram, em algum momento, práticas integrativas e complementares nos sistemas públicos de saúde;
  • Até julho de 2022, mais de 8,2 mil estabelecimentos em saúde registraram oferta de PICS na atenção primária;
  • No mesmo período do ano passado, 3.082 cidades ofereciam as terapias alternativas no SUS;
  • A quantidade de procedimentos individuais em PICS realizados na primeira metade de 2022 representa 82% do total realizado em 2021: foram 532 mil até julho do ano passado e 645 mil em 2021;
  • Os procedimentos coletivos em PICS também aumentaram: de 13,4 mil em 2021 para 15,6 mil até julho de 2022.

As 29 práticas permitidas no SUS são: medicina tradicional chinesa/acupuntura, medicina antroposófica, homeopatia, plantas medicinais e fitoterapia, termalismo social/crenoterapia, arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa, yoga, apiterapia, aromaterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, ozonioterapia e terapia de florais.

A recomendação é que os tratamentos e as intervenções sejam feitos juntamente com as práticas médicas convencionais (cirurgias, medicamentos e etc.) de acordo com a necessidade de cada paciente.

O bate-papo despertou muitas curiosidades e dúvidas. Algumas cidadãs disseram que vão levar a proposta de Paulínia para seus estados e municípios.

A conversa chegou ao fim com uma dança circular e a distribuição de ervas e sal-grosso para o escalda-pés.

 Redação da Agência de Notícias da Aids