Há pouquíssimos estudos sobre a prevalência de ISTs comparando mulheres de diferentes orientações sexuais

Existe um mito de que as lésbicas estão imunes a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Essa crença, no entanto, não é verdadeira. Mulheres que fazem sexo com outras mulheres podem, sim, contrair uma série de infecções.

Há pouquíssimos estudos sobre a prevalência de ISTs comparando mulheres de diferentes orientações sexuais. O assunto também é pouco abordado nos consultórios dos ginecologistas, onde os profissionais presumem que as pacientes sejam heterossexuais.

De acordo com a ginecologista Iara Moreno Linhares, membro da Comissão Nacional Especializada em Doenças Infectocontagiosas da Febrasgo, a contaminação de ISTs entre mulheres que fazem sexo com outras mulheres é um tema oculto.

“Esse problema deve ser visto com seriedade. As mulheres têm o direito de requerer cuidados bem adequados para sua saúde. Há pouco material disponível na literatura e o assunto não é conversado, mas as consequências existem”, afirma.

 

A principal infecção transmitida entre mulheres

 

As práticas sexuais frequentes entre lésbicas são sexo oral, penetração vaginal usando os dedos ou objetos e atrito de vagina com vagina, segundo a médica. Com menos preferência, há penetração anal. Em todos os casos existe um ambiente propício para a transferência de bactérias e vírus.

 

 

“As infecções que ficam na vagina e no colo do útero podem ser transmitidas de uma pessoa para outra. Mas entre mulheres que fazem sexo com mulheres não há dúvida de uma prevalência maior da vaginose bacteriana”, diz a ginecologista da Febrasgo.

 

 

Trata-se de uma doença causada pela perda dos lactobacilos protetores da vagina. Em determinadas situações, as bactérias que vivem na região, principalmente a Gardnerella vaginalis, se proliferam e liberam um odor desagradável que lembra o de peixe.

 

 

Segundo a médica, muitas mulheres têm a moléstia e não sabem, porque nem sempre os sintomas são tão evidentes. Sem tratamento, a doença pode sair da vagina, invadir o colo do útero e facilitar a doença inflamatória pélvica.

 

Outras doenças que passam entre lésbicas

 

Os poucos estudos existentes apontam também uma prevalência maior de HPV e tricomoníase entre as lésbicas, de acordo com a médica.

 

 

O HPV, sigla em inglês para papilomavírus humano, é um vírus que infecta pele ou mucosas, provocando verrugas na região genital e no ânus, além de câncer do colo do útero.

 

“Quando há verrugas, o contágio não é tão comum, porque as mulheres normalmente olham os genitais da parceira e detectam a anormalidade. No entanto, o HPV intravaginal, aquele que causa alterações no Papanicolau, pode ser transmitido”, avisa a ginecologista, que também é professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

 

Já a tricomoníase é causada pelo protozoário Trichomonas vaginalis. Trata-se da IST mais comum do mundo, que infecta 156 milhões de pessoas por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

 

Menos comuns entre lésbicas, mas também perigosas, são a gonorreia e a clamídia. Quando a mulher está infectada, as bactérias Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatisvivem no colo do útero e podem estar presentes na secreção vaginal. O contato com outra vagina facilita a transmissão das doenças.

 

A probabilidade de contágio é menor do que nas relações heterossexuais, quando há um microtraumatismo causado pelo atrito com o pênis.

 

 

“O risco de uma mulher passar gonorreia para um homem no ato sexual varia de 10 a 15%. Mas a chance de ela adquirir a doença vai de 60 a 70%”, afirma a médica. “O trato genital feminino é mais suscetível, porque você tem uma quantidade maior de mucosa sujeita a traumatismo na relação heterossexual.”

 

 

Em 75% dos casos, infecções como gonorreia e clamídia não causam sintomas evidentes e podem permanecer escondidas por anos. “A pessoa só descobre quando há complicações. A clamídia, por exemplo, acomete as trompas e o útero e causa uma doença inflamatória pélvica que deixa a mulher estéril”, diz a professora da USP.

 

E o HIV?

 

Em 2014, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos Estados Unidos, anunciaram o primeiro caso confirmado de transmissão de HIV entre lésbicas. O risco, embora baixo, não é inexistente.

 

 

“A probabilidade de infecção é maior numa relação heterossexual, porque o atrito com o pênis causa pequenas fissuras na vagina. Essa quebra da mucosa faz com que o HIV penetre com facilidade”, explica a professora da USP. “Na relação homossexual feminina não tem tanto atrito.”

 

 

Outra explicação é que o esperma tem ação imunossupressora. Segundo a médica, toda vez que o sêmen entra na vagina, provoca esse estado por 6 a 10 horas, para a mulher não rejeitar o fluido e engravidar.

 

 

“A relação homem-mulher pode ser muito mais prejudicial para elas no caso de transmissão de uma IST. Por isso que, para algumas doenças, a chance de transmissão é menor entre mulheres que fazem sexo com outra mulheres. Isso não significa que lésbicas não devam fazer o Papanicolau nem serem rastreadas para ISTs, mesmo sem sintomas”, diz Iara Moreno Linhares.

 

Prevenção

 

Além de estar com os exames em dia, a recomendação é fazer penetração anal só com luva e desinfetar brinquedos eróticos antes do uso.

 

Para sexo oral e contato de vagina com vagina, o ideal é usar uma barreira de látex chamada dental dam, vendida em lojas de artigos para dentistas. “Eu sei que o acesso não é tão fácil. Quem não tiver isso pode usar plástico filme ou abrir uma camisinha”, sugere a ginecologista.

 

Outra medida é evitar o evitar algumas práticas durante a menstruação. Por ser rico em ferro, o sangue menstrual pode servir como meio de cultivo para algumas bactérias e aumenta o risco de contaminação de ISTs.

Fonte: Marie Clarie