Ao longo das últimas quatro décadas, a ciência e a tecnologia vem sendo uma grande aliada quando o assunto é expectativa e qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV. Nos últimos anos houve avanços “revolucionários” em relação ao tratamento do HIV. Hoje, muitas pessoas tomam um ou dois comprimidos por dia, e não causa maiores complicações. Por outro lado, alguns pacientes ainda enfrentam efeitos adversos causados pela medicação. Na tarde do último sábado (6), o Hepatoaids reuniu especialistas para um debate sobre como lidar com os efeitos colaterais e abordar essas questões com seus pacientes.

Participaram da conversa o médico Estevão Portela, vice-diretor de serviços clínicos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, no Rio de Janeiro; o infectologista José Vidal, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e da Faculdade de Medicina da USP; e também a médica Erika Ferrari, da USP.

Dr. Estevão trouxe para a conversa dados de estudos que comprovam que aderir à terapia antirretroviral logo no início do diagnóstico reduz o impacto de mortes em pessoas vivendo com HIV. “Sabemos há algum tempo que a ideia é começar o tratamento com a terapia antirretroviral imediatamente, existe uma clara redução de mortalidade e isso já está bem segmentado, há uma redução na transmissibilidade. E ainda existe uma discussão se a adesão realmente melhora a retenção e o cuidado, mas já fica claro que dentro desses dois pontos o início imediato com o tratamento da terapia antirretroviral é para ser uma meta nos órgãos de saúde pública.”

Desde 2016 a OMS recomenda o fornecimento vitalício do tratamento antirretroviral a todas as pessoas vivendo com HIV, incluindo crianças, adolescentes e gestantes, independentemente de seu quadro clínico. Essa combinação de medicamentos não cura a infecção, mas inibe a replicação do vírus no organismo e permite que o sistema imunológico se fortaleça.

O médico relembrou casos de pacientes vivendo com HIV apresentados no CROI, em 2009. Eles estavam coinfectados com tuberculose, meningite criptocócica e/ou herpes zoster. A recomendação na época era iniciar a terapia antirretroviral nos primeiros 14 dias ou só após o tratamento de alguma dessas condições definidoras de aids. “Esse estudo mostrou que quando você analisa a condição clínica e a evolução para aids/morte, houve uma referência estatisticamente significativa, favorecendo o tratamento precoce. Quando analisamos a infecção por condição definidora, evidentemente o erro diminui. Não conseguimos ver uma diferença estatisticamente significativa para cada uma delas, mas todas parecem acompanhar um desfecho mais favorável em relação ao tratamento precoce, em comparação ao atrasar o tratamento. Claro que isso ficou mais importante quando o CD4 do paciente se encontra abaixo de 50 células”, destacou.

Neuroinfecções

O dr. José Vidal, que também é consultor do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde, falou sobre a importância de ter um CD4 acima de 200 para conseguir evitar as neuroinfecções e doenças oportunistas em pessoas vivendo com HIV. No entanto, destacou que o fato de o paciente estar com CD4 acima de 200 não o deixa livre de contrair toxoplasmose e tuberculose, por exemplo.

“Em São Paulo, essas infecções são endêmicas, além de serem frequentes em países da América do Sul, como é caso do Brasil, a toxoplasmose e a tuberculose são muito mais frequentes aqui do que na Europa e Estados Unidos, por exemplo”, destacou ao se referir a região de clima tropical.

“No Emílio Ribas, a maioria dos pacientes que têm essas doenças já vivem com HIV e fazem tratamento com a terapia antirretroviral, então temos o desafio de trazer essas pessoas novamente para o controle regular das coinfecções”, disse.

Durante sua fala, o médico elencou ainda possibilidades para ajudar a conduzir e a entender esses casos e chamou atenção para o grau de imunossupressão. “É de conhecimento de todos que pacientes com CD4 abaixo de 200 aumenta o risco para doenças oportunistas, por outro lado, é importante lembrar que acima de 200 esse risco também existe, não com a mesma vulnerabilidade, mas existe”, observou o médico.

Risco cardiovascular

Uma grande preocupação dos profissionais que cuidam de pacientes com HIV é o risco cardiovascular aumentado nessa população. A infectologista e nutróloga, Érika Ferrari, trouxe para o debate evidências cientificas que comprovam o risco aumentado.

“Começamos o tratamento rapidamente no paciente, manejamos os fatores de risco, os ditos tradicionais e ainda assim, os pacientes infectados pelo HIV permanecem com alto risco de infarto pelo miocárdio, então, temos uma maior longevidade, uma melhor qualidade de vida, mas permanecemos com excesso de risco das chamadas doenças crônicas não transmissíveis, dentre elas, o infarto agudo do miocárdio”, explicou.

“O contexto é que uma pessoa com HIV tem duas vezes mais chances de desenvolver uma doença cardiovascular, comparado a uma pessoa da população geral. A carga global de doença cardiovascular associada ao HIV triplicou nos últimos 20 anos, e ela tende a triplicar na próxima década porque a expectativa de vida está aumentando. Em 2010, tínhamos uma expectativa de vida de 44 anos. Em 2035, os dados dizem que vai aumentar para 60 anos. E quando falamos de doença cardiovascular existe uma maior prevalência, principalmente em mulheres infectadas pelo HIV, pessoas maiores de 50 anos e em pessoas que moram na África Subsaariana”, destacou.

Alguns riscos cardiovasculares

“Quando falamos de infarto temos uma diferença por faixa etária, ao pegar uma pessoa de 25 a 30 anos, temos uma incidência de 0,27 casos de infarto para mil pessoas por ano, quando pegamos uma pessoa acima de 50 anos, essa incidência vai para 17 casos a cada mil pessoas. Uma outra diferença é o tempo de infecção pelo HIV. Acima de 5 anos, a incidência de infarto chega a 0,43 a cada mil pessoas por ano, quando temos uma pessoa com mais de 15 anos de infecção, essa prevalência praticamente triplica, chegando a quase 3 para cada mil pessoas por ano, então concluímos que o infarto é uma doença relacionada também com envelhecimento da população vivendo com HIV”, considerou a médica.

Qualidade de vida

A médica finalizou a mesa redonda com dicas de saúde não só para as pessoas vivendo com HIV, mas para toda a sociedade. “A medicina do estilo de vida trabalha seis pilares para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas e promover a saúde, que são: alimentação saudável, atividade física, melhora de padrão de sono, não fumar, ter um consumo moderado do álcool, ter o controle do estresse e praticar conexões sociais. O médico não pode ser só prescritor de remédio, ele também tem que prescrever saúde para o paciente, as pessoas precisam parar de ver o médico como prescritor de medicação. E para comprovar o que eu falei, um estudo da OMS mostrou que quanto menor a quantidade de atividade física praticada pela pessoa, maior é a chance de ter um evento cardiovascular, então a literatura já provou que hábitos saudáveis de vida funciona.”

 

Gisele Souza (gisele@agenciaids.com.br)

Dica de entrevista

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