Cercados por enredos de massacres, genocídios e ataques, olhar para a história dos povos indígenas é uma tarefa necessária. No Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas, a Agência Aids traz um raio-x da saúde indígena no Brasil. A garantia e manutenção do direito à saúde integral dos povos originários requer múltiplos esforços, mas segue sendo uma das questões mais delicadas e problemáticas da política indigenista oficial.
Essa população é acometida por questões sociopolíticas e socioambientais diversas, que se cruzam com as principais demandas e reivindicações indígenas da atualidade, como: o reconhecimento e demarcação das terras indígenas brasileiras, invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio, direito ao consentimento, violência zero, financiamento direto, conhecimentos ancestrais e o direito integral a saúde.
A partir da colonização europeia, anomalias foram introduzidas nas comunidades tradicionais pelos invasores portugueses, chegando a dizimar muitos povos ao longo da história. Desde então, a colonização alterou os moldes de viver do povo.
Dentre as doenças infecciosas e parasitárias mais incidentes, a gripe, varíola, sarampo, malária, tuberculose, diarreia, pneumonia, coqueluche e a sífilis são alguns exemplos dos males que vitimaram sociedades indígenas inteiras.
A aids também tem se mostrado, ao longo do tempo, um problema relevante de saúde pública entre aldeados e não aldeados. Segundo o relatório Povos Indígenas na América Latina, existem cerca de 370 milhões de pessoas indígenas no mundo, quase 900 mil delas estão no Brasil. Cerca de 80% da população indígena brasileira vive em aldeias e tem dificuldades em acessar os centros de saúde com a frequência necessária.
Dados da Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), evidenciam que a prevalência do HIV pode chegar a 10% em algumas comunidades. Uma pesquisa coordenada pela professora do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Unifesp, Suely Godoy Agostinho Gimeno, apontou que 10,3% dos indígenas, tanto do sexo masculino quanto do feminino, apresentam sintomas de hipertensão arterial.
Crise dos Yanomamis
Em 2023, o Brasil viu a maior reserva indígena em extensão territorial, a Terra Indígena Yanomami, ser centro de discussões políticas e de saúde nacional em razão da crise sanitária com registro de casos de malária e desnutrição severa.
O problema é causado pelo avanço do garimpo ilegal que, em um ano, aumentou 46% no território. Em 30 anos de demarcação, os indígenas ali vivem o pior cenário de devastação ambiental, o que impacta diretamente na forma de vida, nas tradições e costumes.
Os garimpeiros ilegais levaram fome, violência, doenças e até a morte para adultos e crianças. Os dados oficiais mostram que, entre 2019 e 2022, 570 crianças Yanomami morreram, muitas delas vítimas da fome.
Em entrevista à Agência Aids em outubro de 2022, Ana Acauã, mulher indígena, presidente e cacique da Associação Indígena Acauã na região de Manaus – AM, destacou que disparidades sociais, econômicas, o processo histórico de opressão cultural, conflitos e falta de acesso aos serviços de saúde tem agravado as carências em saúde dos povos originários.
A cacique entende que a saúde de pessoas indígenas não é tratada como prioridade no país. “Nós não somos recebidos pela saúde, não somos incorporados de fato nesses direitos’’.
“Nós índios urbanos que não moramos mais nas aldeias e nas reservas também não acessamos ações de saúde por não sermos aldeados. Muitos de nós não moramos mais nestes locais porque nossos pais, avós ou bisavós, tiveram que migrar para a grande cidade em busca de uma vida melhor”, completou.
Ana considera que, por muitas vezes, a abordagem de atendimento nos serviços de saúde é burocrática e desrespeitosa, e finalizou sua fala com a provocação: “A gente precisa ir até o SUS ou aos hospitais filantrópicos enfrentar fila, e ainda somos recebidos com discriminação. Diante disso, por exemplo, qual é a mãe que vai querer continuar levando seus filhos quando vão ao serviço de saúde não recebem ajuda?”.
Para ela, o cenário só pode ser minimamente invertido com viabilização de políticas efetivas por parte do poder público, alinhado a uma mobilização da sociedade civil e movimentos sociais organizados.
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Ana Acauã
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Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)