A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) anunciou no final de março os cinco novos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) que serão apoiados pela instituição. As iniciativas foram selecionadas entre as 38 propostas submetidas ao edital lançado em 2021, abrangendo as ciências de saúde, biológicas, agronomia e veterinária. No entanto, ficou de fora uma proposta inovadora que pode mudar a vida das mais de 38 milhões de pessoas vivendo com HIV/aids no mundo: a criação do primeiro Centro Mundial de Pesquisa, Inovação e Difusão dedicado exclusivamente a cura do HIV, vírus causador da aids.

O projeto, idealizado pelo infectologista Ricardo Sobhie Diaz, diretor do Laboratório de Retrovirologia do Departamento de Medicina da Unifesp, em parceria com o também pesquisador e infectologista Mauro Schechter, previa juntar as pesquisas já existentes as novas tecnologias com base em nanotubos de carbono e fotoimunoterapia na tentativa de encontrar uma cura em larga escala para o HIV.

Dr. Ricardo, responsável pelo único caso de possível cura da infecção pelo HIV apenas com o uso de medicamentos orais, acredita que os nanotubos de carbono podem contribuir para a eliminação dos reservatórios do HIV.

Já a fotoimunoterapia é uma combinação das técnicas “fotodinâmica” e “imunoterapia”. A primeira corresponde à administração de uma droga fotossensibilizante (sensível à luz) e sua respectiva ativação por meio da sua exposição a uma luz com comprimento de onda específico. A imunoterapia é o nome dado ao tratamento que tem como principal objetivo potencializar o sistema imunológico de um indivíduo de forma que ele consiga combater infecções e outras doenças – muito utilizada em tratamentos para certos tipos de câncer.

Falta de entendimento

Em entrevista à Agência Aids, o dr. Ricardo afirmou que se sente injustiçado com a decisão da Fapesp, pois acredita que a justificativa que o comitê local usou para reprovar o projeto está em desacordo com o que escreveram os especialistas internacionais que avaliaram a proposta a pedido da própria Fapesp.

“A justificativa da Fapesp sobre a não aprovação diz que os revisores teriam tido ‘sentimentos contraditórios’ e os ‘riscos seriam excessivos para o desenvolvimento de um centro de excelência’. Em verdade, apenas dois pareceristas mencionam nanotecnologia e fototerapia, sendo ambos favoráveis à proposta. Portanto, não é correto afirmar ter havido sentimentos contraditórios.”

O dr. Mauro Schechter também se manifestou contrário à decisão da Fapesp. “As afirmações contidas no parecer das coordenações são quase que textualmente retiradas do que escreveu um dos revisores. No entanto, quando lemos o parecer na íntegra é possível afirmar que todas as pessoas que tiveram acesso a nossa proposta aprovaram. Além disso, o revisor de quem foi retirada a afirmação afirmou que a justificativa para a criação do centro e seu possível impacto na epidemia de HIV no Brasil e na América Latina é muito forte”.

O especialista afirmou ainda que não entendeu a crítica da Fapesp ao considerar a proposta ousada. “O edital do CEPID é explícito ao solicitar pesquisas ousadas de excelência internacional em temas relevantes em sua área de conhecimento. A excelência e a relevância da proposta são reconhecidas por todas as assessorias e pelas Coordenações. No entanto, a proposta foi denegada precisamente por atender ao primeiro critério citado no edital, a ousadia de propor métodos que não se encontram estabelecidos, mas que, na opinião de quatro de cinco assessores, é um aspecto positivo da proposta. A opinião do outro assessor também não foi levada em consideração, pois o mesmo considerou a justificativa para o estabelecimento desse centro amplamente convincente, apenas sugerindo apoiar dois projetos com fundos iniciais menores e expandir o financiamento caso os resultados sejam promissores.”

Brasil na contramão

Os dois pesquisadores foram muito enfáticos ao afirmar que a não aprovação de um projeto como esse distancia o Brasil ainda mais dos países referência na luta contra aids.

“Se o centro não for criado estamos perdendo uma oportunidade única do Brasil fazer uma contribuição de valor inestimável à saúde pública mundial, gerando novas tecnologias aplicáveis em outras áreas, como a oncologia. Sem contar as oportunidades para repatriar tantos jovens pesquisadores que foram para o exterior com recursos da Fapesp e outras agências de fomento à pesquisa e não retornam por falta de oportunidades como essa”, disse dr. Mauro, completando que “entre os jovens que foram para o exterior, há vários ex-alunos de todos os investigadores do Cepid.”

Cura

Há muitos anos dr. Ricardo Diaz e sua equipe na Universidade Federal de São Paulo vem se dedicando a pesquisas de cura do HIV. Em 2020, o pesquisador anunciou ao mundo ter conseguido, pela primeira vez por meio de medicamentos, eliminar o HIV do organismo de um paciente. O homem, na época com 34 anos, foi diagnosticado com o vírus em 2012. Este foi o primeiro caso em todo o mundo de um paciente que passou, além de ter o vírus indetectável por um longo prazo sem estar tomando medicamentos antirretrovirais, a ter os chamados marcadores imunológicos e moleculares de cura da infecção pelo HIV, depois de tomar um coquetel intensificado de vários medicamentos.

“Há na literatura científica apenas seis casos de remissão prolongada da infecção pelo HIV na ausência de terapia antirretroviral, cinco deles após transplante de medula óssea. O “Paciente de São Paulo” é o único caso que não foi submetido a transplante de medula óssea. Assim, o tratamento em desenvolvimento em nosso laboratório é o único passível de utilização em larga escala, oferecendo, portanto, oportunidades de contribuição à ciência e à saúde pública mundiais sem precedentes”, explicou o dr. Ricardo Diaz.

“Esse é um projeto multidisciplinar e multi-institucional, que de forma pioneira agrega esforços de lideranças universitárias com reputação internacional nas áreas de medicina, microbiologia, engenharia, física e farmácia, podendo se tornar o primeiro centro no mundo dedicado à busca da cura da infecção pelo HIV, um dos principais desafios globais em saúde pública.”

Na tentativa de reverter a decisão, os pesquisadores decidiram acionar a Fapesp e fizeram a solicitação de reconsideração da decisão.

Outro lado

Em resposta ao descontentamento dos pesquisadores, o coordenador do Programa CEPID, Roberto Marcondes, explicou que “a chamada de Propostas de Pesquisa 2021 atraiu propostas muito qualificadas, tendo mobilizado alguns dos melhores grupos paulistas ligados aos temas do Edital. Tendo sido uma chamada bastante competitiva, envolveu complexo sistema de avaliação por pares e contou com mais de 190 pareceres por assessorias internacionais e nacionais (neste caso, todas externas ao Estado de São Paulo). Com a aprovação de 5 propostas, a taxa de aprovação foi de 13%, a mais concorrida da história do programa dos CEPIDs da Fapesp.”

Por fim, o professor Roberto esclareceu que o dr. Ricardo Diaz submeteu uma solicitação de reconsideração, conforme previsto nas normas da chamada. “Essa solicitação de reconsideração está em análise pelos procedimentos tradicionais da Fapesp.”

CEPID

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A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo é uma das principais agências de fomento à pesquisa científica e tecnológica do país. Com autonomia garantida por lei, a FAPESP está ligada à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado de São Paulo.

Com um orçamento anual correspondente a 1% do total da receita tributária do Estado, a FAPESP apoia a pesquisa e financia a investigação, o intercâmbio e a divulgação da ciência e da tecnologia produzida em São Paulo.

Estabelecido pela Fapesp em 1998, o Programa CEPID financia projetos de pesquisa que abordam perguntas transformativas do conhecimento atual e cujos resultados possam ter impactos positivos para a sociedade. Os CEPIDs devem realizar pesquisas ousadas de excelência internacional em temas relevantes em sua área do conhecimento. O programa procura agregar pesquisadores em torno de questões de pesquisa fundamentais ou orientadas para aplicações para se transformar em um centro de classe mundial em pesquisa.

Redação da Agência de Notícias da Aids

Dicas de entrevista

Dr. Ricardo Diaz

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