O Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu prazo de cinco dias para que o ex-presidente Jair Bolsonaro se posicione em relação a uma publicação feita por ele depois da realização dos atos golpistas que aconteceram no dia 8 de janeiro, em Brasília. Dois Dias depois das invasões e quebra-quebra dos prédios dos Três Poderes, o ex-presidente fez um post dizendo que Lula ‘foi escolhido e eleito pelo STF e TSE’.

Além deste fato, outro desdobramento aconteceu no fim-de-semana. Por conta do vandalismo registrado no início de janeiro, tentativa de desestabilizar a Democracia, o presidente Lula demitiu, no sábado, o comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda. Ele foi substituído pelo comandante militar do Sudeste, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que a saída do general Arruda se deve a quebra de confiança com o governo.

A Agência Aids tem ouvido ativistas de todo o Brasil sobre a importância da manutenção da Democracia para a Saúde. Conversamos também com gestoras e gestores que responderam a questão, “Por que respeitar a democracia é importante e faz bem à saúde do Brasil?” Acompanhe as respostas.

Dra. Maria Clara Gianna, coordenadora-adjunta CRT/aids de São Paulo: “Apenas com respeito a democracia é possível construir políticas públicas que verdadeiramente tragam impacto positivo na sociedade. É no ambiente democrático que esta construção se dá com ampla participação de diferentes setores, que todos possam se manifestar e serem ouvidos e a imprensa tem liberdade para divulgar informações confiáveis a para a população. Um grande exemplo é resposta ao HIV e aids no nosso pais, construída em um momento de plena democracia, com a Constituição Federal de 1988 trazendo o SUS e todas as diretrizes que são o alicerce para o sucesso da resposta.”

Dr. Fábio Mesquita, ex-diretor do Depto. Aids no Brasil. Mesquita atuou no corpo técnico do Departamento de HIV e Hepatites Virais da Organização Mundial da Saúde em Mianmar, na Ásia: “Ativistas da minha geração dedicaram quase toda a juventude e seus primeiros anos de profissão na área de saúde, na luta contra a ditadura e por acesso universal à saúde. Apenas em 85, conseguimos tirar os militares do poder. Foram inesquecíveis anos de chumbo que marcaram uma era de terror e ausência de Liberdade.
Finalmente em 88 garantimos a Saúde como Direito do Povo e Dever do Estado, através da Constituinte, com a participação de todo o povo.
Na sequência contribuímos com a construção do SUS, um dos maiores sistemas de saúde com cobertura de todos os segmentos da população do Planeta Terra, ou seja, é na democracia que as sementes da liberdade florescem.
Vimos reviver o poder dos militares infiltrados no poder (incluindo no Ministério da Saúde) com o Governo Bolsonaro e sua política genocida, que pregando o ódio conseguiu tirar do armário, extremistas interessados em trazer a ditadura de volta. É preciso perseverar e resistir, a democracia é sem dúvida a maior ferramenta de acesso de todos os excluídos à saúde.”

Dra. Adele Benzaken, Diretora Médica do Programa Global da Aids Healthcare Foundation (AHF) e ex-diretora do Depto Nacional de IST/aids do Brasil: “O princípio básico da democracia e do Sistema Único de Saúde (SUS) se entrelaçam. O SUS foi criado à luz da Constituição Federal de 1988 com a finalidade de garantir o direito universal à saúde como dever do Estado. Nos últimos quatro anos, isso foi completamente abandonado. O Estado Democrático de Direito, condição fundamental para a implementação de políticas sociais e econômicas que visem à melhoria da qualidade de vida da população, foi desrespeitado. Como resultado tivemos quadros desastrosos, a exemplo da alta taxa de mortalidade decorrente da falta de atenção do Governo Federal para com uma política pública de enfrentamento à pandemia de COVID-19, o negacionismo científico e a baixa cobertura vacinal que levou ao ressurgimento de doenças imunopreveníveis já erradicadas. Descaso que mostrou, na prática, a importância dos princípios democráticos de acesso à saúde, o que teria evitado milhares de mortes. Em outras palavras, vidas poderiam ter sido salvas se o acesso à saúde houvesse sido garantido. Outro desastre em curso decorrente da desatenção da gestão da Saúde no Governo Federal anterior: o atraso nas políticas publicas de enfrentamento à epidemia de aids. O restante do mundo avançou e nós vimos um programa nacional de referência no atendimento a pessoas vivendo com HIV/aids ser gradativamente extinto. Por último, a tragédia dos ianomâmis, no vizinho Estado de Roraima, nos revela o efeito nefasto da ausência de politicas públicas voltadas às populações originárias e povos tradicionais na Amazônia. Imagens chocantes da tão vulnerabilizada assistência à saúde nos últimos tempos. O atual Governo Federal reacende nossa esperança. Viva à Democracia! E viva o SUS!”

Dr. Robinson Camargo, coordenador- adjunto Programa Municipal IST/aids: Pra falar de democracia preciso contar um pouco do que vivi no nosso país.
Eu passei boa parte da minha vida vivendo num regime de exceção onde tudo era proibido. Ver os famélicos e cantar “pra frente Brazil”, ver a população rural depender apenas do fundo rural para sobreviver. Ver a expectativa de vida de 57 anos, mortalidade infantil na casa de 120 por mil nascidos vivos, contra 2,7 nos países do norte, a Bemfam com projeto de esterilização em massa das mulheres pobres. Foi neste contexto que cursei a universidade, sem poder discutir os problemas reais do país. Por fim, veio a democracia e com ela também veio o SUS, tratando todos com igualdade e equidade. Democracia faz bem a saúde, principalmente quando respeitamos a receita e tomamos de 4 em 4 anos. Tem lá as vezes um gosto ruim, alguns efeitos colaterais, mas é infinitamente melhor que o veneno amargo do regime de exceção. Ditadura nunca mais.”

Alexandre Granjeiro, ex-diretor do Depto. Nacional IST/ Aids e pesquisador: “Porque diz respeito, entre os sistemas atualmente conhecidos no ocidente, à melhor possibilidade de existência do indivíduo, com plena felicidade e bem estar. Mas, não um indivíduo ensimesmado ou violado por outrem. Um indivíduo plural, construído a partir da sua cultura, do reconhecimento de seu pertencimento e harmônico com as diferenças e o ambiente. O distanciamento destes pressupostos aumenta o sofrimento, o adoecimento e a morte.”

Dr. Pedro Chequer, Médico epidemiologista, ex-diretor do programa de aids e ex-coordenador do UNAIDS no Brasil, Russia, Moçambique e países do Cone Sul: “A democracia pressupõe a soberania do povo sobre os governantes e estes a serviço das demandas e prioridades da população. Sua existência plena, necessariamente, repousa na equidade dos direitos, na igualdade de oportunidades e no acesso igualitário à justiça, bens e serviços essenciais à condição humana digna.
Uma sociedade que tem como norma social o preconceito de raça, de gênero e social não oferece ambiente propício para seu pleno exercício ainda que disponha de um arcabouço jurídico e constitucional estabelecido para tal fim. Por outro lado, a democracia pressupõe o equilíbrio entre os poderes constituídos sem que nenhum deles exorbite de suas atribuições e espaço de atuação. Alem disso, o regime democrático pleno deve ser fundamentado na lisura da aplicação do recurso público, tendo o combate a corrupção como uma das pedras fundamentais estabelecidas.
A conivência da sociedade com a apropriação indébita dos impostos do contribuinte ou a existência de um judiciário que seja leniente com os crimes cometidos são aspectos que impedem a existência de regime democrático pleno, ainda que se tente por intermédio dos meios de comunicação disseminar a ideia de sua existência.
A imparcialidade do judiciário é outro pressuposto essencial à democracia, onde premissas ideológicas ou de qualquer teor, que não seja a aplicação plena dos direitos e deveres do cidadão, estejam em quaisquer circunstancias, ausentes.
A democracia ainda tem como essência a existência de um legislativo forte e atuante a serviço dos interesses da população e não manietado e subserviente a qualquer um dos poderes, pelo temor de serem reveladas praticas escusas na atuação de determinado grupo de legisladores.
Isto posto como premissas, poderíamos perguntar: Qual a importância da democracia para a saúde publica?
Ora, a formulação de políticas públicas na saúde implica necessariamente a participação popular como força social que, legitimamente, pode apontar prioridades, influir e fiscalizar os serviços públicos de saúde, participar na formulação de políticas com vistas à implementação de ações para a promoção da saúde como um direito, de forma equânime, democrática e participativa.
A Participação Social no SUS foi institucionalizada pela Lei n° 8.142/1990 que estabeleceu os conselhos e conferencias de saúde como espaços de participação popular na formulação de políticas públicas, definição de prioridades e avaliação das práticas dos serviços e a implementação das diretrizes estabelecidas. Sua existência e seu pleno funcionamento pressupõem não só a presença de um arcabouço jurídico constitucional mas também uma prática permanente do controle social a fiscalizar a implementação das diretrizes e apontar possíveis caminhos para correção de rumos ou revisão de ações que se mostraram ineficazes. E isto só é possível em ambiente democrático onde os poderes constituídos possam exercer seus mandatos segundo os ditames estabelecidos constitucionalmente, sem usurpação dos espaços destinados a outros poderes.”

Dicas de entrevista:

Maria Clara Gianna

E-mail: mariaclara@crt.saude.sp.gov.br

Fábio Mesquita

E-mail: mesquitaberkeley@hotmail.com

Adele Benzaken

E-mail: Adele.Benzaken@ahf.org

Robinson Camargo

E-mail: robinson.camargo@uol.com.br

Alexandre Granjeiro

E-mail: Ale.grangeiro@gmail.com

Pedro Chequer

E-mail: pchequer11@gmail.com

 

Redação da Agência de Notícias da Aids