Eu tive um sonho. Sonhei que estava em um concurso onde seriam escolhidos a Miss e o Mister Vivendo com HIV/aids, onde a beleza física era o critério menos importante a ser analisado e, sim, suas visões de vida, sentimentos quanto ao futuro e suas atitudes no dia a dia. Havia muita felicidade no ar e nem parecia que disputavam algo, tamanho o congraçamento entre todos e todas. Dava para ler nos sorrisos e nos olhares que naquele momento não havia doença, não havia remédio, não havia nenhum sentimento ruim, apenas a alegria de estarem brilhando com HIV, e não apenas vivendo com ele. Porque, como disse Caetano, gente é pra brilhar e não pra morrer de fome.

Após quatro anos, que mais pareceram quatro décadas, o Brasil retomou o seu caminho rumo a se tornar uma Nação baseada na democracia, na participação popular e no direito a uma vida digna como pedra fundamental de suas ações. A nomeação de Nísia Trindade para o Ministério da Saúde encheu de otimismo e entusiasmo todos os movimentos sociais ligados à área, dado seu histórico compromisso com os princípios do SUS. Ela terá muito trabalho em reconstruir e retomar várias ações que haviam sido forjadas por décadas de experiência e que foram destroçadas pelos seus antecessores, verdadeiros arautos da morte.

Para que as pessoas com HIV continuem a ter sonhos é fundamental que tenham tranquilidade com relação ao fornecimento dos medicamentos necessários aos seus tratamentos, tanto os do coquetel antirretroviral quanto os para doenças associadas aos efeitos colaterais e ao envelhecimento precoce. Também é necessário o fortalecimento dos centros especializados de assistência, com qualificação de seus profissionais e a capacitação continuada em locais onde tais centros inexistam, onde é maior a rotatividade de pessoal. Ampliar o acesso a médicos de outras especialidades, notadamente cardiovasculares, saúde mental e bucal, além da retomada de estratégias de adesão ao tratamento, cujos índices estavam preocupantes antes mesmo da pandemia de Covid-19.

Na área da prevenção será necessário que se dê maior ênfase ao uso de preservativos quando se falar de prevenção combinada com PreP e PeP, pois os dados indicam que a retenção na profilaxia é um problema no médio prazo, as pessoas deixam de tomar os medicamentos e não voltam a usar a camisinha. Ter um foco especial para os jovens, que constituem maioria das infecções diagnosticadas, corrigindo erros do passado como a lamentável auto censura de publicações para esse público por pressão da bancada evangélica no Congresso Nacional. Que os grupos sociais de maior vulnerabilidade, também conhecidos como malditos, voltem a ter importância para o governo, com definiu de forma bastante emocionante o atual Ministro de Direitos Humanos. Após mais de quatro décadas de epidemia não seria o momento oportuno de se ouvir todo mundo em uma tardia Conferência Nacional de AIDS? Isso colocaria não somente o governo, mas toda a sociedade a par da real situação da luta contra a AIDS em nosso país.

Voltando ao sonho que tive, ele era real. No mês passado o Instituto Vida Nova, ONG da cidade de São Paulo, realizou tal concurso e ali foi quebrado um senhor paradigma, o de que a vida das pessoas com HIV é só tomar remédios e pensar positivamente com relação ao futuro. A gente não quer só remédio, a gente quer remédio, diversão e arte. Para muita gente essas aspirações foram tiradas no momento do diagnóstico ou no dia a dia de luta contra o preconceito, a dúvida com relação aos medicamentos ou a um péssimo atendimento dado por profissional não qualificado.

Pela realização da I Conferência Nacional de AIDS.

Pelo sucesso de Nísia Trindade na condução da Saúde.

Por mais concursos de Miss e Mister e outras iniciativas que visem devolver o brilho no olhar das pessoas vivendo com HIV/aids.

Viva o SUS!

* Beto Volpe é escritor, ativista independente e Mister Vivendo com HIV