O tuíte começava assim: “Primeira vez em 12 anos que não consegui pegar meu remédio para HIV”. Trata-se do desabafo no Twitter de Gaê (@somdegae), post que recebeu em poucos dias cerca de 100 mil curtidas e quase 16 mil compartilhamentos.

A postagem viralizou na última semana por acender o medo de que o programa brasileiro de HIV/Aids, que distribui em todo o território nacional desde 1996 terapia antirretroviral para quase 1 milhão de pessoas, não estaria mais conseguindo cumprir suas funções.

Esse medo foi amplificado ainda mais porque justamente naquela semana circulava nos meios de comunicação a notícia da redução do orçamento da saúde para o ano de 2023, tornando difícil não se associar um fato ao outro.

Em pouco tempo, milhares de pessoas em todo país concluíram que o tratamento antirretroviral estava em falta nas farmácias do SUS por causa do corte da verba do programa brasileiro de HIV/Aids.

No entanto, em tempos de combate às fake news, preciso dizer: uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Para tentar informar o que de fato estava acontecendo, o Ministério da Saúde divulgou uma nota informativa, que obviamente não viralizou como o tuíte. Nela, é explicado que o estoque de comprimidos de um antirretroviral (lamivudina de 150 mg) encontra-se reduzido temporariamente devido a uma série de fatores.

Entre os principais, está o início da recomendação no Brasil, desde o final de 2021, de simplificação dos tratamentos antirretrovirais, com a mudança para esquemas que contêm apenas dois medicamentos, sendo sempre um deles a lamivudina de 150 mg.

Ao longo do último ano, portanto, o número de pessoas usando esse medicamento aumentou exponencialmente e excedeu a previsão feita pelos técnicos do ministério. Somado a isso, a capacidade das indústrias farmacêuticas de produzir comprimidos para repor o estoque do medicamento não acompanhou o aumento expressivo da sua demanda.

A solução então proposta pelo ministério foi a de fracionar a quantidade de comprimidos de lamivudina entregues para cada pessoa, aumentando a frequência de retiradas nas farmácias, para assim gerenciar melhor a situação até que o estoque se normalize.

Qualquer pessoa que acompanhou o trabalho do Programa Brasileiro de HIV/Aids na última década sabe que essa não é a primeira vez que por alguma questão logística o estoque de um antirretroviral fica reduzido. E deve se lembrar que tão logo o estoque se normalize, as dispensações de comprimidos voltam ao seu habitual.

Em situações extremas em que o estoque de um antirretroviral está completamente esgotado, como na relatada pelo Gaê, uma forma de contornar o problema pode ser a mudança temporária do esquema antirretroviral.

Nesses casos, é sempre recomendado que o paciente comunique o seu médico infectologista para que seja avaliado o impacto da troca no controle do HIV e na sua saúde.

A ideia da ausência do tratamento do HIV/Aids tem o potencial de teletransportar uma pessoa que vive com esse vírus para a década de 1980, época em que não havia meios de se controlar essa infecção, e de reavivar o medo de morrer.

Depois de acolher a angústia de dezenas de pacientes que simplesmente não sabiam o que de fato estava acontecendo quando iam à farmácia, percebi como a desinformação poderia ser deletéria para a saúde mental de uma pessoa com uma doença séria que requer tratamento contínuo.

Temos na atualidade muitas coisas para nos preocupar em relação ao desmonte e à redução do investimento no Programa Brasileiro de HIV/Aids, mas alimentar o fantasma de que a qualquer momento haverá a interrupção da distribuição do tratamento antirretroviral é incendiar uma terra já arrasada.

Fonte: Viva Bem UOL (Coluna Rico Vasconcelos)