Nunca vi, em tantos anos de atuação no movimento de luta contra o HIV/aids, situação tão crítica como a que vivemos agora. Já são muitos retrocessos, há crise no Sistema Único de Saúde e, agora, o anúncio dos cortes do governo federal no Ministério da Saúde (MS) que afetam políticas de saúde como um todo, R$ 3,3 bilhões no total, e especialmente as políticas de enfrentamento contra o HIV/aids, R$ 407 milhões a menos.

Os cortes prejudicam ações de prevenção, tratamento e distribuição de medicamentos. Recentemente, o Fórum das Ong/aids do estado de São Paulo (Foaesp), que completa 25 anos neste mês, questionou o Ministério da Saúde sobre o motivo da falta do medicamento lamivudina 150 mg. O questionamento é se a falta se dá por um problema por parte laboratório fabricante, ou se é questão orçamentária. Também indagamos sobre se há prazo para normalização da situação.

Devemos lembrar que o governo infringe a lei, já que o acesso gratuito a medicamentos antirretrovirais é garantido por lei desde 1996 (Lei 9313/96). Os medicamentos antirretrovirais proporcionam mais qualidade de vida às pessoas que vivem com HIV/aids (PVHA) e a adesão ao tratamento faz com que a carga viral fique indetectável. Com a carga viral indetectável, as PVHA não transmitem o vírus, daí o conceito I=I (Indetectável=Intransmissível).

Além dos problemas na distribuição de medicamentos, os cortes afetam ações de prevenção. Hoje, importantes ações com respostas significativas como a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) e a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), ficarão comprometidas. O país registrou, em 2020, mais de 10 mil mortes pela doença, dados do Boletim Epidemiológico em HIV/aids do MS.

Os cortes afetam também a compra de insumos, outras ações, e também o pagamento para recursos humanos do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis do MS.

Nos últimos anos, o Foaesp, em conjunto com o Fórum Ong/aids do Rio Grande do Sul (Foars), tem trabalhado junto à Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às Infecções Sexualmente Transmissíveis/HIV/aids e Hepatites Virais do Congresso Nacional. Um dos objetivos é incrementar os recursos para os Serviços de Atendimento Especializados (SAEs), hoje enfraquecidos e sem reajustes há anos, e fundamentais na luta contra a epidemia de aids. Entretanto, o governo federal age na contramão, realizando cortes.

O Foaesp e o Foars realizarão, ainda em outubro, reunião com o senador Marcelo Castro, relator do orçamento de 2023, para discutirem importantes pontos das políticas de aids, incluindo a revisão do orçamento para o enfrentamento da epidemia de aids.

No próximo dia 21, sexta-feira, o Foaesp, a AHF Brasil, o Movimento Paulistano de Luta Contra a Aids (Mopaids), a Agência de Notícias da Aids (Agência Aids) e o Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas (MNCP) realizam manifestação contra os cortes orçamentários promovidos pelo governo federal no Ministério da Saúde que afetam as políticas de enfrentamento ao HIV/aids no país. O ato público, com a participação de ONGs e representantes do movimento social, acontece às 10 horas nas escadarias do Teatro Municipal, no centro de São Paulo.

* Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum das Ong/aids do estado de São Paulo (Foaesp)