Pisci Bruja foi quem bateu um papo com a jornalista Marina Vergueiro na última segunda-feira (5) na coluna “Senta Aqui”, da Agência Aids. A convidada se identifica como travesti biológica vivendo com HIV/aids e fármaco-possuída; transpóloga pela Universidade de São Paulo (USP), onde também é pesquisadora na Faculdade de Medicina da USP. Pisci é educadora comunitária, articuladora em saúde preventiva na Coordenadoria de IST/aids de São Paulo e na Casa Chama, além de redutora de danos no projeto Respire, da ONG É de Lei. Além disso, integra o coletivo Loka de Efavirenz.

“É um mix de sensações! Bastante desafiador, muito potente e trabalhoso”, considera ela quando perguntada sobre como é ser uma transpóloga dentro do ambiente acadêmico, especificamente na USP. “Para além da necessidade de sobrevivência, existe a força de ser uma travesti disputando um lugar de legitimidade dentro de uma instituição extremamente tradicional, branca, cisgênera e elitista”.

Segundo a pesquisadora, este é um espaço que nunca foi feito nem pensado para pessoas LGBTs. Para ela, estar ali significa hackeamento do sistema. ‘’Quando eu entro, muitas outras pessoas trans entram comigo de uma outra forma’’, completou.

Pisci está cotada para em outubro deste ano representar o Brasil em uma conferência mundial que visa estudar novas estratégias de cura para o HIV. Marina quis saber quais são as novidade que Pisci vai levar para o evento e qual a importância de termos uma acadêmica trans representando o país neste evento de grande magnitude.

A transpóloga explicou que o seminário consiste em um consórcio de pesquisa de cura que integra diferentes laboratórios e universidades que trabalham com engenharia genética a fim de retirar o HIV do genoma humano.

“Quero participar deste evento para ajudar a construir uma noção mais ampla sobre o que significa a cura para o HIV/aids, a epidemia não tem somente cunho biomédico, ela se divide em três esferas: o próprio vírus; a aids que é o processo de adoecimento; e as relações culturais e de poder produzidas a partir dos estigmas sob a doença.” Para ela, é imprescindível incluir pessoas trans nos estudos para rompermos com os preconceitos e, inclusive, para desestruturamos com o que ela chama de “prostituição compulsória”, parte do projeto necropolítico que submete a população LGBTQIAP+ à uma condição de insalubridade e as afasta por exemplo da intelectualidade.

Pisci afirma que existe um abismo para pessoas LGBTs no acesso à saúde, mas em contrapartida também chamou atenção para a escassez de dados sobre a interação da aids em mulheres cis e homens trans. “Não existem dados epidemiológicos, então a gente não sabe como que o vírus interage nesta população que é extremamente marginalizada e suicidada.”

A pesquisadora compartilhou na live a experiência de trabalho na coordenadoria. Ela considera que o cenário no estado de São Paulo se manteve relativamente estável.

Compartilhando as dores e a delícia de ser quem é, Pisci desabafou dizendo o quão difícil é viver no Brasil sendo travesti: “Não caibo em nenhum armário!”, disse ao agradecer a sua rede de apoio que a possibilitou ter suporte no processo de autoconhecimento.

Também falou que a sociedade a coloca num lugar que por muitas vezes é desconfortável para si e seus iguais. “O tempo inteiro temos que negociar a nossa humanidade. Muitas vezes desejo ter uma vida comum, mas a minha sexualidade e a sorologia continuam sendo pautas, até mesmo subjetivamente.”

Antes de encerrar a conversa, Marina e Pisci dividiram com o público, especialmente para quem ainda se encontra perdido e angustiado frente ao diagnóstico positivo, dicas do que fazer para amenizar a dor neste momento. Buscar acolhimento em locais que acolhem de fato para externalizar o que sente é uma das ações que fazem toda a diferença.

Pisci garante que existe possibilidade de ter qualidade de vida vivendo com HIV/aids. “Não podemos romantizar a vivência com HIV, mas também precisamos englobar outras questões ao falar da doença. Se não isto vai levar essas pessoas à depressão e à outras situações que a gente consegue evitar”.

Assista a live na íntegra:

Kéren Morais (keren@agenciaaids.com.br)

Dica de entrevista:

Pisci Bruja

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