O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestar sobre o relatório da Polícia Federal que disse que o presidente Jair Bolsonaro cometeu incitação ao crime ao associar a vacina contra a Covid-19 com a aids.
A Polícia Federal pediu, também, a prévia autorização de Moraes para “serem formalizados os respectivos indiciamentos nos presentes autos” (entre eles o de Bolsonaro), mas sugeriu que seja aguardado o julgamento dos recursos apresentados pela Procuradoria-Geral da República contra a decisão que determinou a instauração do inquérito, “sob pena de tornar inócuas as providências”.
“Abra-se vista dos autos à Procuradoria-Geral da República, para manifestação quanto aos requerimentos apresentados pela autoridade policial”, determinou Moraes em despacho publicado nesta sexta (19).
A decisão do ministro Moraes está repercutindo entre ativistas da luta contra aids e LGBTQIA+. Eles consideram que o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime ao disseminar fake news e associar a vacina anti-covid à aids. Confira:
Américo Nunes Neto, fundador do Instituto Vida Nova: “O que está por traz de quase quatro anos? Que assistimos um chefe de Estado com narrativas pejorativas, discriminatórias, propagando fake news e ainda com total desinformação sobre diversos assuntos, ele nega a ciência. A justiça deve fazer o seu papel, que ele pague por seus erros e crimes com punição exemplar. A resposta para todas essas infâmias espero que se dê na derrota da eleição presidencial. É preciso mudanças urgentes deste governo, para que tenhamos uma nação com orgulho de ser brasileiro.”
Fabiana Oliveira, do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “A quantidade de mentiras produzidas pelo presidente antes mesmo do início de seu mandato é assustadora. Estamos a todo tempo correndo atrás de desfazer as notícias falsas, maliciosas e preconceituosas disseminadas por ele. Já não é sem tempo que este indivíduo deve responder e ser punido por seus crimes. Digo crimes porque toda informação falsa, em especial as que dizem respeito a vida e saúde da população, trazem consequências sérias como por exemplo o questionamento sobre a segurança das vacinas contra a covid-19 relacionando-a a aids, o que levou muitos a não se vacinarem e correr risco de morte. Infelizmente, muitas pessoas não filtram notícias e repassam como verdade absoluta. Desejamos que as providências sejam verdadeiramente tomadas pela justiça. Agora é aguardar para ver!
José Carlos Veloso, da Rede Paulista de Controle da Tuberculose: “O senhor presidente da República precisa ser responsabilizado por disseminar falsas notícias que podem aumentar o preconceito e discriminação contra pessoas vivendo com HIV/aids e promovendo um desserviço em políticas públicas de saúde.”
Toni Reis, diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTQIA+: “Toda vez que uma pessoa comete crime contra a dignidade humana ela deve ser responsabilizada, investigada e ter amplo direito de defesa. Isso é importante. Considero, inclusive, este processo educativo. Para que não se repitam o preconceito, o estigma e a discriminação contra as pessoas que vivem com HIV/aids e não se utilizem disso para se autopromover. Uma atitude extremamente importante do ministro Alexandre de Moraes. Ponto para ele!”
Cássio Rodrigo, coordenador de Políticas para LGBTs de São Paulo: “Para nós que vivemos a epidemia da aids e perdemos muitos amigos queridos, associar a vacina da covid à aids é, além de cruel, uma disseminação do preconceito para com pessoas vivendo com HIV/aids. Pior ainda quando a fala vem de uma autoridade que deveria se preocupar em aprimorar as políticas públicas de saúde e prevenção às doenças. É uma verdadeira irresponsabilidade.”
Javier Angonoa, ativista independente e consultor: “Estou totalmente de acordo que o presidente Bolsonaro tem que ser indiciado por crime, porque um Presidente da República tem que velar pela saúde, pela educação, pelo bem-estar da população. Se eu estou vivo é porque me vacinaram contra muitas doenças, inclusive ele está vivo graças a vacinas. A humanidade está viva graças as vacinas. Este discurso negacionista que ele teve no começo da pandemia de Covid, junto com seus seguidores, foi um discurso que incitava a não vacinação, o discurso anti-ciência, anti-vacina. Associar a vacina ao vírus que causa a aids coloca mais discriminação. Trabalhamos para diminuir o preconceito. Não foi à toa que ele associou ao HIV e não a malária, a tuberculose. O presidente tem que ser indiciado sim pelo que disse.”
Alessandra Nilo, fundadora da ONG Gestos de Pernambuco: “Estamos torcendo na Gestos para que nesta guerra entre o STF (Supremo Tribunal Federal) e a PGR (Procuradoria Geral da República) ganhe a verdade. Nestes últimos anos nós temos visto o presidente mentir indiscriminadamente, incitar as pessoas aos mais diferentes descumprimentos de leis, questionar a verdade, a ciência , estabelecer um governo negacionista que inclusive nos impede do livre exercício de todos os nossos direitos como, por exemplo, o direito à saúde, que foi o que ele fez durante a pandemia da Covid-19 sendo um presidente negacionista e relapso. É muito importante que o Brasil mostre que ainda tem instituições confiáveis que fazem parte do conjunto de órgãos que foram criados e estabelecidos para fazer contrapeso e desta forma garantir algo essencial que é nossa democracia. Infelizmente temos visto uma PGR que não defende os interesses públicos, que não tem cumprido seu papel. Temos visto um Procurador Geral da República que é apenas subserviente ao presidente da República. Esta é uma situação gravíssima. É muito interessante que isso também tenha acontecido em relação a uma inverdade dita sobre o HIV/aids, que levou as pessoas a não se vacinarem porque justamente as pessoas afetadas pelo HIV/aids são aquelas que o presidente deixou mais para trás. Aquelas com as quais ele mais estabeleceu processos de racismo, de lgbtfobia, de discriminação, as mulheres, as pessoas mais pobres. Então, toda nossa comunidade que trabalha com HIV e aids espera este presidente sair para sermos uma referência mundial, como fomos um dia, no campo tanto da prevenção como da assistência às pessoas que vivem com HIV e aids. A aids é uma pandemia marcada por muito preconceito e discriminação e é inadmissível que o presidente de um país como o Brasil que sempre foi uma referência nesse campo se comporte como ele se comportou. A gente espera que seja a aids punir o presidente. A gente espera que isso aconteça.”
Veriano Terto Jr. vice-presidente da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids): “Eu acho que o mais preocupou em mais esta declaração do presidente Bolsonaro contra as recomendações e normativas de saúde que o próprio governo estabelece, é a impunidade e a repetição de quantas vezes isso acontece. Nada de responsabilização até então, a não ser repercussão na imprensa. Existe uma impunidade total e as manipulações, fake news, opiniões sem nenhum fundamento científico. Será encaminhado para a Procuradoria Geral da República e vai chegar lá e será mais uma letra morta. Este tipo de situação é triste só vai afastar mais ainda os 30% que apoiam que são vulneráveis. É triste o momento que atravessamos.”
Entenda o caso
O presidente disse, em live no dia 21 de outubro de 2021, que a população do Reino Unido estaria “desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida [aids]” após a imunização completa contra o novo coronavírus. A afirmação é falsa, e não há qualquer relatório oficial que faça essa associação.
Na ocasião, ele leu um trecho de uma notícia da revista Exame que foi publicada em outubro de 2020 com o título “Algumas vacinas contra a covid-19 podem aumentar o risco de HIV?”. A matéria afirma que pesquisadores estavam preocupados que algumas vacinas que usam um adenovcovidírus específico no combate ao vírus SARS-CoV-2 podiam aumentar o risco de que pacientes sejam infectados com HIV. No entanto, a revista diz que, até aquele momento, “não se comprovou que alguma vacina contra a covid-19 reduza a imunidade a ponto de facilitar a infecção em caso de exposição ao vírus.”
Na mesma transmissão ao vivo, Bolsonaro afirmou, citando um suposto estudo atribuído ao imunologista Anthony Fauci, que “a maioria das vítimas da gripe espanhola não morreu de gripe espanhola, mas de pneumonia bacteriana causada pelo uso de máscara”. Na época, as máscaras eram obrigatórias em locais públicos.
Na quarta-feira, 17 de agosto, a PF pediu a Moraes autorização para tomar o depoimento do presidente Jair Bolsonaro no inquérito que investiga a fala dele em que relaciona a vacina contra a Covid-19 à aids.
A delegada Lorena Lima, que conduz a investigação, também pediu para prorrogar a investigação para adotar mais providências (como colher o depoimento do próprio Bolsonaro).
No entendimento da delegada, Bolsonaro “disseminou, de forma livre, voluntária e consciente, informações que não correspondiam ao texto original de sua fonte, provocando potencialmente alarme de perigo inexistente aos espectadores”.
Leia também:
Redação da Agência de Notícias da Aids
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