A Aliança Nacional LGBTI+ vem a público manifestar sua preocupação acerca dos motivos apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pela não inclusão das pessoas LGBTI+ no Censo de 2022.
Frisa-se que há 22 anos, desde 2000, o Grupo Gay da Bahia (GGB) e outras instituições civis de direitos humanos têm cobrado a inclusão no Censo Demográfico de perguntas geradoras de estatísticas sobre a população LGBTI+.
Foi solicitada diversas vezes ao IBGE a inclusão destas informações no Censo. São informações essenciais para informar a formulação de políticas públicas para a população LGBTI+, em especial, as pessoas trans e travestis, que historicamente têm sido socialmente marginalizadas, sendo que as políticas públicas não as alcançam por falta dos dados do Censo, que são utilizadas por órgãos oficiais como parâmetros.
Após determinação do Tribunal Federal do Acre, que acatou pedido do Ministério Público Federal do Acre para a inclusão no Censo de perguntas acerca das pessoas LGBTI+, em uma de suas manifestações o IBGE declarou que se for determinada a inclusão dessas informações, o Censo 2022 terá que ser adiado, tendo em vista que, segundo o órgão, o aumento de custos de recursos federais pode chegar em cerca de R$ 2,3 bilhões. Pessoas LGBTI+ também pagam impostos e tributos e merecem ter seus direitos constitucionais respeitados.
Para não cumprir com a ordem judicial, o IBGE e a Advocacia Geral da União (AGU) recorreram da decisão, a mesma AGU que em outubro de 2021, tentou derrubar a decisão do Supremo Tribunal Feral que criminalizou a LGBTIfobia
A questão, portanto, parece ser mais de foro político que por questões operacionais ou de metodologia.
Incluir dados fundamentais para garantir direitos humanos tutelados é obrigação do Estado, conforme determina nossa Constituição Federal:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]
XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.
A dignidade e a igualdade são pilares dos tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. A propósito, a premissa essencial dos Direitos Humanos é exatamente o direito a ter direitos.
O Pacto de San José da Costa Rica, assim define:
Artigo 1º – Obrigação de respeitar os direitos
1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
2. Para efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.
Artigo 2º – Dever de adotar disposições de direito interno
Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.
Deste modo, fica evidente que a dignidade humana é violada a partir do momento que a exclusão de dados oficiais, além de outros fatores como falta de vontade política, contribui para dificultar a formulação políticas públicas afirmativas específicas, tendo em vista que a ausência desses dados implica na falta de fundamentação para a disponibilização de recursos para atender às necessidades específicas de parte da população LGBTI+, nas áreas de educação, saúde, trabalho, moradia, entre outras tantas.
Como bem pontuado por Ban Ki-moon, diplomata sul-coreano e ex-secretário geral da Organização das Nações Unidas (ONU): “Não pode haver desculpa para a violência ou discriminação nunca. Entendo ser difícil se levantar contra a opinião pública. Mas só porque a maioria desaprova determinados indivíduos, não dá direito ao Estado de reter seus direitos básicos. A democracia é mais do que a regra da maioria. Ela exige defesa das minorias vulneráveis diante de maiorias hostis. Os governos têm o dever de desafiar o preconceito e não ceder a ele.”
Assim, é preferível e mais humano que se tenham dados por meio de uma pesquisa concreta e metodologia (ainda que seja para posteriores ajustes), que impor a toda a população LGBTI+ brasileira a manutenção de sua invisibilidade nas estatísticas oficinas.
É o mínimo que se espera em uma democracia.
12 de junho de 2022
Toni Reis
Diretor Presidente da Aliança Nacional LGBTI+
Gregory Rodrigues Roque de Souza
Coordenador Nacional de Comunicação da Aliança Nacional LGBTI+
Heloisa Helena Cidrin Gama Alves
Coordenadora Titular da Aliança Nacional LGBTI+ em São Paulo
Eleine Brandão – OAB/SP 232.600 – Jornalista 35.681/RJ
Colaboradora da Área Jurídica da Aliança Nacional LGBTI+