Ator Evandro Manchini propõe reflexão: “E se o HIV fosse um assunto nosso?” É com esse mote que o ator Evandro Manchini, de 34 anos, propõe reflexões sobre a vivência com o vírus, ao falar abertamente sobre o assunto no Instagram.

Diagnosticado em 2015, o artista busca, por meio de vídeos, depoimentos e textos pessoais, humanizar e acabar com os estigmas de quem vive com o HIV.

E tem dado certo: diariamente, ele recebe mensagens de seguidores que se identificam com sua vivência, um retorno que classifica como “um movimento bonito e ao mesmo tempo intenso”.

Segundo levantamento do Ministério da Saúde, de 2007 a 2021, foram notificados 381.793 casos de HIV no país, sendo 69,8% em homens e 30,2% em mulheres. A maior incidência de casos (52,9%) foi registrada entre pessoas de 20 a 34 anos.

Com uma linguagem jovem, Manchini, que construiu sua carreira em projetos multidisciplinares, nos quais teatro, vídeo e performance se misturam, acredita que falar abertamente sobre o tema o fortaleceu e quer encorajar outras pessoas a fazerem o mesmo.

A seguir, uma entrevista exclusiva à CNN.

CNN: Como foi para você o momento do diagnóstico?

Evandro Manchini: Quando recebi o diagnóstico, em 2015, tinha muitos preconceitos e pouquíssima informação. Lembro que o que mais mexeu comigo naquele momento não foi a possibilidade da morte física – mesmo com a minha desinformação eu tinha noção que o tratamento estava avançado -, mas sim a morte simbólica – ou “morte civil”, como tão brilhantemente definiu Herbert Daniel. Eu entendi rapidamente o tamanho dos estigmas e dos preconceitos, e a necessidade de que eu me reinventasse.

O acesso à informação de qualidade, o fato de ter ficado com a carga viral indetectável e o privilégio de ter uma rede de apoio fenomenal, incluindo o suporte familiar e de amigos, e um acompanhamento médico humanizado, foram fundamentais para que eu conseguisse elaborar tudo com mais leveza. A arte, a psicanálise e a prática do budismo – cada um deles à sua maneira – também me fortaleceram bastante neste processo.

CNN: Quando e por que decidiu falar sobre o assunto para o público?

EM: Foi quando ingressei no Mestrado, em 2018, após 3 anos compartilhando a sorologia apenas com pessoas mais próximas. Como meu projeto girava em torno de narrativas autoficcionais (narrativas que partem de elementos biográficos) e usei minhas experiências vivendo com HIV para falar disso, aproveitei a oportunidade para sair desse “segundo armário”.

No começo foi difícil, mas com o tempo fui percebendo como o ato de falar abertamente me fortalecia e me encorajava ainda mais. Eu estava sendo eu, integralmente, sem precisar mais me esconder para os outros e, principalmente, para mim mesmo. Tem uma frase fantástica da Audre Lorde que resume bem essa sensação: “a visibilidade que nos torna mais vulneráveis é também a fonte de nossa maior força”.

CNN: Você tem feito do Instagram um espaço aberto ao diálogo. Como tem sido o retorno dos seguidores?

EM: Tem sido um movimento bem bonito e ao mesmo tempo intenso. Recebo diariamente mensagens tanto de pessoas que vivem com HIV há algum tempo e sentem-se representadas, como de pessoas que acabaram de receber seus diagnósticos e encontram nos meus vídeos informações que as tranquilizam.

Além de mensagens de pessoas que não vivem com o vírus – de estudantes do ensino médio a profissionais da saúde – agradecendo pelo conteúdo e compartilhando suas impressões. Nessas horas, percebo que a pergunta na minha bio do Instagram – “e se o HIV fosse um assunto nosso?” – está sendo respondida, reverberando fora do espaço virtual. Isso me deixa muito feliz.

CNN: Falar abertamente sobre o assunto contribui para reduzir o estigma sobre o HIV?

EM: Sim. Por conta do preconceito, as histórias de pessoas que vivem com HIV ou Aids na maioria das vezes foram contadas por outras pessoas, com tom jornalístico e sensacionalista.

Nossas identidades eram ocultadas a fim de nos garantir anonimato. Gosto de dizer que o sigilo sorológico é essencial e ele precisa ser garantido, afinal de contas cada pessoa tem um contexto, uma realidade e nem todas conseguem falar abertamente.

Mas sigilo é diferente de silenciamento – e considero o fato de poder falar sobre este tema, com identidade e afetividade, uma das nossas curas possíveis. Ser o Evandro ator, cineasta, com sonhos, realizações, e – também – vivendo com HIV, ajuda na criação de um novo imaginário.

CNN: Como você busca atingir o público com diferentes níveis de conhecimento sobre HIV de maneira efetiva?

EM: Acho que o desafio é justamente esse: tornar familiar alguns termos mais técnicos por meio de uma comunicação mais acessível. Tento fazer a minha parte, mas é importante dizer que isso é uma questão muito maior, que deveria ser central nas políticas públicas de prevenção ao HIV.

Com a Covid, por exemplo, a democratização da informação aconteceu de forma natural, porque rolou uma mobilização e um interesse mútuo – tanto individual como dos meios de comunicação – de fazer com que termos mais técnicos fossem compreendidos.

De repente todo mundo estava familiarizado com “estratégias de prevenção”, “formas de transmissão”, “incubação”, “nova cepa”, e até mesmo o “testei positivo” – que no caso do HIV ainda é um grande tabu social – foi uma frase falada sem muitos rodeios.

Tenho a impressão de que a Covid, diferente do HIV e da Aids, foi e é encarada, por grande parte das pessoas, como uma questão de saúde coletiva – que diz respeito a todo mundo e não apenas a um grupo específico. E quando a gente lida com algo desta forma – ou seja, quando há interesse genuíno – a informação não apenas chega, mas é absorvida e compreendida.

CNN: Nos vídeos você afirma que devemos ter atenção à linguagem. Como ela pode influenciar o entendimento da vivência com HIV?

EM: A linguagem influencia, humaniza e contribui na redução de estigmas. É aquele tipo de discussão que, principalmente para quem não tem contato direto com a questão, pode parecer bobeira. Mas está longe de ser isso.

A mudança de algumas palavras modifica totalmente a nossa perspectiva sobre o tema. Dizer que uma pessoa “VIVE com HIV” – em vez de chamá-la de ‘portadora do vírus’ ou ‘soropositiva’, por exemplo – humaniza porque traz a pessoa em primeiro lugar, a vida logo em seguida e, depois, o vírus.

Uma relação “sorodiferente” [em que uma pessoa vive com HIV e a outra não] é infinitamente melhor que uma “sorodiscordante”, por motivos óbvios: o peso da discordância – ou seja, da discórdia – sai de cena e dá lugar à diferença, que é algo bom, presente na maioria das relações afetivas que eu conheço.

Fonte: CNN Brasil