A jornalista Marina Vergueiro recebeu na coluna ‘Senta Aqui’ desta segunda-feira (30), a advogada Maria Eduarda Aguiar, presidente do Grupo Pela Vidda Rio de Janeiro. As duas conversaram por quase uma hora sobre a trajetória desta ONG/aids, que acabou de completar 33 anos de luta pelos direitos das pessoas vivendo com HIV/aids e também os direitos da população LGBTQIA+. A luta contra a sorofobia, a transfobia e a LGBTfobia são os pilares de Maria Eduarda à frente do Pela Vidda Rio.

Na ONG, localizada na região central do Rio de Janeiro, Maria Eduarda presta assistência jurídica as vítimas de violência e discriminação. Ela é a idealizadora do programa TransVida, que desde 2021 realiza mutirões de retificação do nome civil de pessoas trans e pessoas não binárias. No Conselho, coordena a formulação de políticas públicas que possam vir a ser implementadas pelo estado.

Há três anos, a advogada trans foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) para defender a criminalização da homofobia. Usou os parcos dez minutos que foram reservados à sua fala para listar e descrever crimes contra a população LGBTI: “Contei a história da Quelly, travesti que teve o coração arrancado. Lembrei da Jéssica, de São Gonçalo, que teve 80% do corpo queimado num ataque transfóbico. Falei de Dandara dos Santos, a travesti do Ceará que foi espancada até a morte, e do Carlinhos, homem trans de São Gonçalo, que apanhou até morrer para, entre aspas, aprender a ser homem. Eu tinha dez minutos para mostrar aos ministros que somos vítimas de crimes de ódio brutal todos os dias.”

Maria Eduarda contou a Maria que fez sua transição em 2015. “Foi ai que comecei a ingressar no universo LGBT, no universo das mulheres trans, quando somos pessoa LGBT muitas vezes nos sentimos sozinhas, e quando a gente consegue se libertar das opressões, nos agrupamos para sobreviver. Comecei a entender a questão da vulnerabilidade trans quando assumi minha identidade de gênero”, descreveu.

Ela conta que a partir desse momento percebeu a falta de políticas públicas. “Resolvi me unir, agregar inicialmente para tentar ajudar no campo do direito, até que conheci o grupo Pela Vidda. Foi nesta ONG que consegui espaço para militar. Entrei para o departamento jurídico do grupo e isso me ajudou bastante, comecei a ter contato não só com a militância LGBT, mas com a militância de HIV/aids”, contou.

“Quando entrei no Pela Vidda quem estava lá era o Josimar, já falecido. Ele foi uma pessoa que atuou no Grupo Pela Vidda durante muitos anos. Aprendi muito com ele, a nossa luta é pela dignidade das pessoas em situação de vulnerabilidade social, em relação aos benefícios previdenciários, porque a gente sabe que muitas vezes as pessoas sofrem estigmas e discriminações”, pontuou a especialista em direito.

Em outro momento da live, ela contou a Marina alguns casos que presenciou de descaso com pessoas vivendo com HIV e LGBTs. “As pessoas que vivem com HIV, sem ter trabalho, sem ter uma renda, sem conseguir se alimentar direito, pode ficar sem o tratamento, e acaba sendo mais caro para o Estado, porque o Estado tem que tratar o paciente que desenvolve aids. Conceder um benefício social é mais barato e essas populações têm direito.”

Ela continua: “Por exemplo, em 2018 foi um ano que teve uma desaposentação em massa. A gestão Temer editou uma lei que mandava revisar todas as aposentadorias por invalidez, mas sem critério nenhum. Os peritos recebiam bônus por cada perícia realizada, ou seja, na prática, desaposentaram pessoas. Um número gigantesco de pessoas vivendo com HIV/Aids perderam a sua única fonte de renda. Graças a batalha legislativa na lei 13.847/2019, nós conseguimos um ganho para poder fazer com que essas pessoas tivessem suas aposentadorias devolvidas, restabelecidas, mas foi uma batalha judicial e de tribunais, através do Ministério Público.”

A advogada também mencionou a luta pela população LGBTQIA+, “a gente se junta no combate à violência contra as pessoas LGBT, essa causa é muito importante no Pela Vidda. No STF, em 2019, representei a Antra, (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Sou membro do grupo de advocacy da Antra, a gente tem esse projeto de combate à violência. Em 2020, desenvolvemos um projeto de combate à violência através da emenda parlamentar do então deputado Jean Wyllys. Depois fizemos em 2021 um núcleo de empregabilidade e formação político-social no Pela Vidda e nós pretendemos voltar com o projeto de combate à violência de 2022 para 2023, mas com outra ótica, já com um olhar de facilitar e fazer mapeamento de acesso das pessoas LGBT no Rio de Janeiro, ao sistema de proteção. Não adianta a gente ter um sistema de proteção e não ter o acesso. A militância se mistura muito com a minha vida pessoal, com pessoas que estão ao meu redor, com a questão de sobrevivência, com a questão de pensar no futuro, eu quero ter um futuro onde eu possa conseguir trafegar na rua sem correr o risco de sofrer uma violência, eu quero um país melhor para as pessoas LGBT e para mim. Também se mistura com a vida das pessoas vivendo com HIV/aids, tenho muitos amigos na instituição”.

Vale social

Maria Eduarda comemorou na live a aprovação de uma ação para ajudar pessoas vivendo com HIV/aids em seus tratamentos. “A gente conseguiu recentemente aprovar a lei no vale social, que são 60 passagens intermunicipais para pessoas vivendo com HIV/aids no estado do Rio de Janeiro, antes recebíamos de cinco a seis passagens agora vamos receber 60 para poder viabilizar o tratamento e a dignidade das pessoas”, disse completando que o ativismo virou quase sua ambição de vida. “Não conseguimos sair, ficamos lá batalhando, porque tem tanta coisa que queremos e achamos que podemos ajudar a modificar, que vira meio que um vício para a gente continuar.”

Ao ser questionada por Marina sobre o risco das pessoas com HIV perder o direito a medicações gratuitas no SUS, a advogada explicou: “eu fiquei um pouquinho mais tranquila porque infelizmente a distribuição gratuita de medicamentos é instituída por lei, então o presidente não pode deixar de cumprir a lei através de uma canetada, teria que revogar a lei, e eu acredito que isso seria muito, muito difícil passar pelo congresso, revogar uma lei de saúde pública e distribuição de medicamentos.”

Ela ainda menciona o papel do Governo em relação ao HIV. “O HIV é uma infecção sexualmente transmissível que a gente tem que fazer a prevenção e tem que cuidar. Se o estado não fizer o papel dele, que são as campanhas de prevenção, as testagens em massa, se o estado cumprisse realmente as metas 90-90-90, do Unaids, a gente não precisaria distribuir tantos medicamentos antirretrovirais, mas acontece que não temos investimento em massa na prevenção, em campanha educativas, você não pode ir em uma escola e fazer uma campanha educativa. Este é um dos motivos pelo qual o número de infecção para HIV está crescendo nos jovens.”

Antes de finalizar a live, a presidente do Grupo Pela Vidda deixou uma mensagem: “Sempre que eu posso, uso uma camiseta escrito aids ou HIV, porque precisamos mostrar que falar de HIV não tem nenhum problema, o problema está na cabeça das pessoas. Todos nós merecemos dignidade é uma luta muito cara e muito bonita, ainda existe muita coisa para melhorar, mas vamos lutar.”

Confira a live na íntegra no Instagram da Agência Aids:

Gisele Souza (gisele@agenciaaids.com.br)