O Instituto Vida Nova Integração Social Educação e Cidadania está em festa. Há 22 anos o chileno Jorge Eduardo e seu parceiro, o ativista e vitrinista Américo Nunes, juntamente com outros militantes, fundaram essa instituição não governamental para transformar a vida das pessoas vivendo com HIV/aids, em São Miguel Paulista, no extremo leste de São Paulo, com cidadania, solidariedade, acolhimento, advocacy, ativismo e direitos humanos. Atualmente, a ONG atende aproximadamente 900 pessoas vivendo com HIV e seus familiares, além das pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social e o público LBGBTQIA+. A Agência Aids esteve na ONG no começo deste mês para acompanhar o trabalho desenvolvido no dia a dia e conversar com a equipe responsável pela trajetória desta iniciativa.

 

Quem vai a ONG encontra uma academia totalmente equipada e direcionada para pessoas com HIV, em especial as que precisam de reabilitação, uma equipe engajada na luta contra aids, sala de confraternização e reuniões, cozinha, piscina para as atividades de hidroginástica, sala de fisioterapia e massoterapia, o cantinho da psicóloga, sala de informática, serviço social e muito amor.

 

Há ainda ações de empoderamento e profissionalização. A ONG oferece a pessoas trans cursos de manicure e pedicure, além da formação em barbearia. Esse trabalho é 100% gratuito. Tem ainda o canal Vida Nova com Você, no Youtube, que nasceu com a proposta de falar sobre a promoção da saúde, ativismo, controle social. A cada 15 dias a ONG exibe um novo programa.

 

“A ideia de abrir o Instituto Vida Nova, veio a partir da vontade de fazer a diferença. Eu e o Américo trabalhávamos em outra entidade, tínhamos saído porque as ideias estavam se desencontrando. Era o que a gente sabia fazer, conversei com o Américo, ele pegou o telefone começou a falar com alguns conhecidos e a partir daí não parou mais, e logo depois nasceu o Vida Nova, relembrou Jorge Eduardo, presidente do Vida Nova.

 

Américo acrescentou que sua luta contra aids é anterior ao Vida Nova. “Éramos do Projeto Esperança de São Miguel Paulista, sai de lá como vice-presidente. Fui procurado pelos voluntários para fundar uma nova instituição. Então me propus a criar um trabalho para fazer a diferença. Tivemos várias reuniões, trouxemos os profissionais da saúde para uma conversa. Começamos a pensar no Estatuto, no tipo de trabalho que íamos oferecer. O nome veio do nosso saudoso Francisco, uma pessoa vivendo com HIV bem comprometida nesta luta. Ele disse: se vamos fazer algo diferente, teremos uma vida nova. A Simone e o Mauro Bonfim completaram o nome: Instituto Vida Nova Integração Social Educação e Cidadania. O nome já diz a nossa missão.”

 

Para Américo, o diferencial deste trabalho é a escuta qualificada, que passa pela psicóloga e pelo Jorge. A partir daí identificamos as necessidades de cada um e conseguimos fazer a diferença. O acolhimento é sem dúvidas o nosso diferencial.”

 

“Sempre trabalhamos para prevalecer o Estatuto da Instituição e novas ideias são sempre bem-vindas. Precisamos de gente capacitada para dar conta de tudo”, acrescentou Jorge, destacando que “fundar uma instituição é muito fácil, difícil é manter a sustentabilidade técnica, política e financeira, principalmente a financeira. É preciso colocar a mão na massa, acordar e dormir com os problemas. São 22 anos de Instituto Vida Nova, não podemos perder esse legado.”

 

“Assumir responsabilidade é trabalhar, é buscar captação de recursos, manter as atividades, elaborar projetos, é fazer prestação de contas, é contratar recursos humanos, trazer voluntários e principalmente ser uma instituição que acolhe o seu público alvo”, completou Américo.

 

Resistência

                            Jorge Eduardo presidente do Vida Nova

 

Jorge Eduardo é chileno e vive com HIV há 33 anos. “Na época em que descobri a minha sorologia era como ser sentenciado à morte, quase não tinha medicamentos, só tinha o AZT, foi um momento muito difícil, com poucas informações.” O tempo foi passando e por acontecimentos da vida, nos deparamos com a oportunidade de começar esse projeto que hoje é o Vida Nova

 

O presidente Jorge lembra que o início do Instituto foi muito árduo. “Passamos por muito preconceito, para alugar um espaço, as pessoas desistiam quando passava a ter conhecimento que estávamos trabalhando com pessoas vivendo com HIV. Para conseguir apoio também era difícil, ninguém queria ver sua marca atrelada às pessoas vivendo com HIV/aids”

 

Hoje ele se emociona quando conta as histórias e lembra da trajetória do instituto. “Falar do Vida Nova para mim é extremamente difícil. Difícil no sentido positivo, porque tem muita história que já passou, me sinto muito satisfeito, mas ainda não 100%, ainda tem muito a ser feito, e a principal é a nossa sede que ainda não temos. O Vida Nova é um coração para mim, eu sem ele não vou viver. Eu agradeço muito ao Vida Nova por tudo que eu aprendi, e que se fosse no meu país talvez eu não teria essa oportunidade, mas o Brasil abriu as portas para mim. Me sinto alegre com o que faço”, informou o diretor.

 

Ativismo na veia

                            Américo Nunes fundador do Vida Nova

 

Américo Nunes vive com HIV há 34 anos e é o combustível da ONG quando o assunto é ativismo, projetos, capitação de recursos, sustentabilidade política e financeira e capacitações. Assim como Jorge, ele considera que ter recebido o diagnóstico nos primeiros anos da endemia de HIV foi uma sentença de morte. “ De acordo com a médica, eu tinha 6 meses de vida. E não tinha o que fazer. Mas o HIV veio pra mim com dois propósitos: como status sorológico e também para mudança de vida e comportamento. Até então, antes de saber da minha sorologia, eu não era uma pessoa humanitária e solidária. Quando o HIV aconteceu eu passei a ter outra perspectiva de vida, passei a ter uma visão mais humanitária”.

 

Transformando vidas

 

Um dos maiores legados do Instituto Vida Nova é na transformação e resgate da vida. Todos os dias a família Vida Nova abre as portas da instituição para acolher pessoas como a dona Roseli Peixoto Oliveira, de 63 anos, que vive com HIV há 36 anos e faz parte da ONG. “Eu amo estar aqui, amo as pessoas, é todo mundo amigo, um sempre ajuda o outro, só tenho a agradecer ao Jorge e ao professor Régis, instrutor da academia. Eles fazem a diferença na minha vida.”

                                     Roseli Peixoto, assistida Vida Nova

 

Roseli conta que sofreu muito preconceito depois do diagnóstico positivo para o HIV. Segundo ela, sua própria família virou as costas quando soube. Roseli passou por dificuldades, mas manteve a fé na vida. “Sofri muita descriminação, familiares fecharam as portas, vivi algo que não desejo a ninguém. Quando chego ao Vida Nova e sou recebida com afeto e amor, sinto minha vida transformada”, afirmou.

 

Em outro momento da conversa ela cita os filhos, que tinham seis e sete anos na época em que descobriu o HIV. “As mães das escolas que meus filhos frequentavam fizeram abaixo-assinado para impedir a presença deles na escola. O preconceito é violento. Foi neste momento que me mudei para Santos e decidi seguir a vida. Um ano depois voltei para a capital e atualmente levo uma minha vida normal”, contou Roseli.

 

Hoje, Roseli vive com os filhos e as irmãs. “Perdi o contato com muitos tios, primos e amigos por viver com HIV. Infelizmente o preconceito existe até hoje. Mas eu vivo bem, sempre tive muita fé em Deus. A minha experiência tem ajudado outras pessoas que não conseguem lidar bem com a sorologia.”

 

Malhação Vida Nova

 

Quem vai a ONG Vida Nova pode ver de pertinho uma enorme academia dedicada a reabilitação e qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV/aids, talvez o carro-chefe da ONG. A academia funciona de segunda, quarta e sexta e disponibiliza esteiras, aparelhos para musculação, pesos, bambolês, espaço para caminhada e outros exercícios físicos, e também tem a piscina, dedicada as aulas de hidroginástica.

 

Academia Vida Nova

 

Academia Vida Nova

 

Piscina Vida Nova

 

As atividades são monitoradas pelo educador físico Régis Tuan, que é pós-graduado em doença neuromuscular, neural e músculo esquelético. Especialista em trabalhar com pessoas lesionadas há mais de 10 anos. Régis faz parte do time Vida Nova desde fevereiro de 2022. Definitivamente no seu trabalho não há rotinas, cada usuário vem com uma demanda diferente. Ele é responsável por receber cada assistido na academia, alguns com mais dificuldades devido às infecções oportunistas do HIV, como a toxoplasmose, lipodistrofia, entre outros.

 

“Estou aprendendo muito no Vida Nova. Sabemos que a atividade física é fundamental para quem quer ter qualidade de vida. A lipodistrofia, por exemplo, é uma perda exagerada de gordura do corpo, da massa magra, onde o corpo passa a queimar gordura sem distinção, podendo perder músculo do braço e da perna. Como também pode criar gordura de forma descontrolada e sem necessidade. E com atividade física a gente consegue controlar isso, fornecendo assim uma qualidade de vida melhor para as pessoas. O importante é se movimentar e ter uma boa saúde, o que eu menos vejo neles é o HIV”, garantiu Régis.

 

As atividades são amplas, todas com um objetivo e função. “A galera aqui vem para malhar mesmo, praticamos caminhadas externas, fazemos exercícios na praça, ao ar livre. Trabalho ainda a saúde mental dessas pessoas porque o ser humano não é só físico, ele também é psíquico e mental, e precisamos trabalhar todas as áreas”, informou o educador.

 

Professor de Educação Física Régis Tuan ao lado das alunas

 

Voluntariado na saúde

 

O Instituto Vida Nova também disponibiliza apoio à saúde. Onde todos os assistidos passam com Jair Oliveira, que é enfermeiro e voluntário no projeto há nove meses. Mas antes de ser voluntário ele era aluno, já está na academia do Instituto Vida Nova há três anos.

 

Todos os dias de manhã ele afere a pressão, sinais vitais, pulso, temperatura, e inclui tudo na ficha dos participantes. Acompanha as vacinas de Covid-19 e agora da gripe. “Se a temperatura estiver acima de 37.5, com tosse, esses pacientes são orientados a buscar uma unidade de saúde. Por mais que aparentemente a pandemia tenha dado uma amenizada, aqui dentro todos são obrigados a usarem máscara o tempo inteiro, sem exceção, não podemos brincar”, ressaltou o enfermeiro.

 

Jair Oliveira, enfermeiro voluntário no Vida Nova

 

Jair contou que gosta muito de trabalhar com o grupo da terceira idade. “São pessoas a partir de 50 anos, com eles é feito o mesmo processo, de aferição e checagem das vacinas, contando com o uso obrigatório da máscara, pedimos a cópia da carteirinha de vacinação da Covid para incluirmos no prontuário do paciente. Caso aconteça de alguém passar mal, já temos o prontuário de cada um, e acompanhamos a pessoa até o hospital, depois avisamos a família, estamos aqui pra isso mesmo”, disse o enfermeiro. “A gente fala e aconselha, muitos deles descobrem que são hipertensos aqui, porque aferimos a pressão toda vez.”

 

Agente de prevenção

 

Marinara, agente de prevenção

 

Marinara Azevedo, de 43 anos, é uma mulher trans e trabalha no Instituto Vida Nova há quase dois anos. Ela está cursando gestão de recursos humanos. Trabalha na área de agente de prevenção, fazendo entrega de insumos, abordagens com garotas profissionais do sexo e cuidando do mapeamento de todo o setor e área de onde é feita as entregas. Começou na ONG como voluntária e hoje é remunerada. “Temos ações extra-muros, que são ações que acontecem nas estações da CPTM, casas de profissionais do sexo e escolas, onde fazemos palestras, entrega de insumos e prevenção. Temos rodas de conversa, realizamos esses projetos em praças também, especialmente na semana da prevenção”, contou Marinara.

 

 

Ariana, agente de prevenção

 

Ariana Rosa é quase a mascote da ONG, está no Vida Nova desde a fundação. Tem 59 anos e trabalha na ONG como agente de prevenção há bastante tempo. “Recebi o meu diagnóstico para o HIV há 28 anos. Na época foi muito difícil, mãe de 4 filhos, dona de casa e o marido usuário de droga injetável. Eu estava grávida. Sofri muito preconceito. As pessoas falavam para eu tomar querosene que ia matar o HIV, existiam muitas fantasias, e na minha cabeça eu ia viver pouco. Os meus irmãos também acreditavam que eu ia morrer rápido, fizeram até reunião para decidir quem ia ficar com meus filhos”, relatou Ariana.

 

Ariana disse que quando o Vida Nova abriu as portas, no ano 2000, ela já era assistida. “Quando eu entrei no Vida Nova a gente já lutava pela qualidade de vida, pela quebra de patentes e por remédios, muita coisa rolou de lá pra cá”, relembrou Ariana, dizendo que o Vida Nova é uma escola de formação.

 

Ao ser questionada de como era trabalhar no Vida Nova e o que o Instituto representava para ela, a agente revelou: “Eu amo estar aqui! Aqui eu me alimento, tomo minhas medicações, acolho pessoas. Conheço todos que vem aqui, o Vida Nova é minha segunda casa. Além de gostar de estar aqui, gosto de ser agente de prevenção de campo, ir lá fora, conversar com as profissionais do sexo, falar sobre prevenção, distribuir preservativos, fazer rodas de conversas. Pra mim, acordar e vim pro Vida Nova trabalhar é minha qualidade de vida.”

 

Psicologia

 

Outro trabalho que o Vida Nova desenvolve com muito carinho é o acesso dos usuários a saúde mental. A psicóloga Vanessa Sodré, de 42 anos, trabalha na ONG há cinco anos. Começou no Instituto Vida Nova como estagiária, depois foi voluntária e hoje é profissional na área. Ela conta que logo no começo ouvia pessoas sem informação falando coisas indelicadas. “Quando eu comecei a trabalhar aqui, eu ouvi algumas pessoas perguntando se eu não tinha medo de ser infectada, como se o HIV fosse transmitido pelo ar igual a Covid.”

 

Vanessa – Psicóloga

 

As pessoas que têm interesse em participar das ações do Instituto, falam com o presidente Jorge Eduardo, sobre o que elas gostariam de fazer e a partir daí é orientada dentro da organização. Do mesmo jeito funciona para quem vai passar com a psicóloga Vanessa. “O que faz com que os pacientes venham até mim é a sorologia, mas o que faz com que eles permaneçam não é isso, a questão da sorologia acaba sendo secundária e terciária até, então o HIV não é a demanda primária. Na maioria das vezes são outras patologias que fazem com que eles fiquem, como a depressão, a ansiedade, transtorno de personalidade e por aí vai…” contou.

 

Vanessa Sodré explicou qual é o passo a passo para as pessoas que têm medo de abrir a sua sorologia e a forma como ela trabalha. “Cada caso é um caso, eu sempre falo para o paciente sobre a questão do sigilo, e vai depender da pessoa, se vai querer contar ou não, no momento em que se sentir pronta para falar. Tudo é questão de tempo, e para pacientes com esses casos eu costumo fazer uma psicoeducação da doença, explicando o que é o HIV, a diferença entre o HIV e a aids, falo sobre o tratamento e medicações, sobre o I=I que é indetectável igual a intransmissível, para que o paciente se sinta seguro e confiante.”

 

Ala jovem da Instituição

 

 

Alexandre faz parte da diretoria do Instituto

 

Alexandre Eduardo está no grupo das pessoas mais jovens da instituição. Ele tem 23 anos, faz parte da diretoria e é agente de prevenção. A sua história com o Instituto começou a partir da sua mãe, que vive com HIV, e frequentava os projetos da organização, ela era voluntária. “Eu queria estar na causa de pessoas vivendo com HIV pelos meus pais, mesmo sendo soronegativo. Fazia alguns trabalhos voluntários no Vida Nova, uma vez por semana, e com 17 anos o Américo me ligou, oferecendo uma oportunidade para trabalhar aqui renumerado, como agente de prevenção, aceitei a proposta e comecei como agente de prevenção. Depois de algum tempo saí do Vida Nova, fiquei um ano fora, mas comecei a sentir uma falta absurda, senti muita saudade dos trabalhos que são realizados aqui, da energia das pessoas. Até que um dia tive a oportunidade de voltar, não pensei duas vezes, fiquei mais um ano como agente de prevenção, e depois recebi o convite para fazer parte da direção, me senti muito honrado com o convite e aceitei. Já são três anos que estou na direção”, relatou.

 

Vida Nova na pandemia

 

A organização não parou na pandemia. Contou o fundador do Instituto. “Durante a pandemia, foi tudo muito novo, precisamos nos reinventar, o impacto da Covid-19 em relação às pessoas vivendo com HIV foi grande. Foi preciso se reinventar e a tecnologia ajudou bastante, passamos a fazer atendimento remoto, não cessamos as atividades, fomos nos adequando, não deixamos de assistir o nosso público. Para além de atendimentos remotos, fizemos ações sociais, como a entrega de cestas básicas e atendimento para a saúde mental. Não perdemos o vínculo com nossos assistidos e nem com a nossa rede de apoio.”

 

Questionado sobre o futuro, Américo garantiu que a missão do Vida Nova está cada vez mais viva. “Hoje pra mim o Instituto Vida Nova representa minha missão. É minha fonte de vida. Se eu não estivesse no movimento, não sei se estaria vivo. Eu espero outras missões do Instituto Vida nova daqui a 5 anos, por exemplo. A missão será cumprida quando surgir a cura da aids, aí vou me sentir satisfeito em relação a esse tema, e a partir daí vão aparecer outras pessoas para quem vamos poder ajudar”, finalizou.

 

 

Gisele Souza (giselesouza@agenciaaids.com.br)

 

Dica de entrevista

 

Instituto Vida Nova

 

E-mail: ividanova@uol.com.br

 

Tel.: (11) 2297-1516