Desde os primeiros casos e óbitos por Covid-19 no Brasil se passaram exatos 18 meses (1,5 anos) e o impacto da Pandemia no país foi devastador: mais de 20 milhões de casos notificados, e quase 600 mil mortes, realidade que coloca a nação brasileira em segundo lugar no ranking de mortes em números absolutos em todo o mundo 1.
Na avaliação epidemiológica retrospectiva da epidemia Covid-19 no Brasil, se torna nítida a existência de duas grandes “ondas” de casos e óbitos A primeira delas ocorreu entre abril à outubro de 2020, reflexo da chegada do vírus SARS-COV-2 no país, e girou com uma média móvel diária de óbitos em torno de 1.000 mortes no país 2.
Já a segunda onda, muito maior, ocorreu entre dezembro de 2020 à junho de 2021 (Figura 1), com médias móveis de óbito que ultrapassaram 3.000 mortes por dia, levando os sistemas público e privado ao colapso em diversas regiões do país 2. A segunda onda esteve associada ao relaxamento excessivo das medidas de prevenção (uso de máscaras e distanciamento social), e também pela seleção e circulação da variante de atenção (ou do inglês, variant of concern, VOC) que hoje conhecemos como gama (chamada anteriormente de variante brasileira, ou P1), que tem como principal característica maior transmissibilidade quando comparado com o vírus original. 3,4.
Figura 1: Média móvel de óbitos no Brasil entre abril de 2020 a setembro de 2021 (gráfico adaptado da referência 2)
Após um atraso considerável em relação à países desenvolvidos como Estados Unidos, Israel e Reino Unido, foi somente em meados janeiro de 2021 que o Brasil iniciou timidamente a vacinação para Covid-19, priorizando os profissionais de saúde, idosos e pessoas com comorbidades, mas os primeiros meses da imunização no país tiveram baixíssima velocidade de aplicação, por conta da falta de planejamento na aquisição internacional e de produção local das diversas plataformas de vacinas disponíveis no mercado 5,6.
Foi somente durante o mês de abril de 2021, após a mudança na política do enfrentamento da Pandemia de forma mais assertiva no sentido de priorização da imunização contra a COVID-19 com ações mais efetivas na compra dos insumos que a velocidade de aplicação das doses das vacinas atingiu um patamar adequado para a emergência de saúde pública vivida pelo Brasil.
De forma suplementar e fundamental, graças à extrema efetividade e capilaridade do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil, rapidamente a velocidade média de um milhão de doses ao dia foi alcançada, sendo que em algumas datas, picos de mais de dois milhões de pessoas vacinadas no período de 24 horas foram registrados, aumentando consideravelmente o percentual de brasileiros imunizados.
Como resultado consequente da vacinação nacional finalmente engrenando, à partir do início de julho de 2021 finalmente a média móvel de óbitos por iniciou queda linear e sustentada, mantendo relação diretamente proporcional com o aumento da imunização populacional, sendo que dados oficiais apontaram redução de 67% da mortalidade quando comparado os meses de abril com agosto de 2021 (Figura 2) 7.
Figura 2: Relação temporal entre aumento do número de doses aplicadas de Vacinas Covid e queda na média móvel de óbitos pela doença no Brasil (Ministério da Saúde do Brasil) 7.
O Programa Nacional de Imunização (PNI) do Brasil utilizou até agora três plataformas de Vacinas Covid (mRNA, vetor viral e vírus inativado), de quatro fabricantes distintas com o percentual de doses distribuídas à saber: Oxford/AstraZeneca – vetor viral (47%), Coronavac – vírus inativado (35%), Pfizer – mRNA (15%) e Janssen – vetor viral (3%) 8.
As avaliações iniciais de eficácia nos ensaios clínicos randomizados (estudos de fase 3, placebo controlados) que permitiram a aprovação dessas Vacinas COVID-19 em órgãos regulatórios internacionais e locais diferiram muito quanto ao desfecho prevenção de doença leve (COVID que não demanda hospitalização), com variações entre 50 à 95% à depender do imunizante estudado 9,10,11,12.
Porém, o que se vê atualmente nos grandes estudos observacionais de vida real (estudos de efetividade de fase 4) que estão sendo publicados com dados de milhões de pessoas em diversos países, incluindo o Brasil, são resultados mais homogêneos quando se avalia os desfechos clínicos mais importantes que são redução de hospitalização e óbitos, proteção que gira em torno de 70 a 90% em favor dos vacinados quando comparados aos não imunizados na população em geral, mesmo no contexto atual de circulação das VOCs alfa, gama e delta 13,14,15,16.
Quadro 1: Efetividade comparativa entre as três vacinas mais utilizadas no Brasil, de acordo com estudos de vida real (fase 4) 13,14.15
Coronavac 13 | Oxford/Astrazeneca 15 | Pfizer 14 | |
Infecção Leve | 66% | 70% | 97% |
Hospitalização | 87% | 87% | 98% |
UTI | 90% | 88% | 99% |
Óbito | 87% | 90% | 97% |
Portanto, a efetividade das Vacinas Covid na redução de hospitalização e óbitos é demonstrada tanto nos estudos de vida real citados, quanto na inequívoca queda da média móvel de óbitos diária de forma linear e constante nos últimos meses no país, mas pelo menos três desafios já se colocam no presente momento para que os resultados do enfrentamento da Pandemia sejam otimizados no Brasil.
O primeiro e mais importante desafio para é completar o esquema vacinal daqueles que receberam apenas uma dose dos imunizantes Coronavac, Oxford/Astrazeneca e Pfizer, pois a imunização parcial é sub ótima para a proteção contra casos leves e principalmente COVID grave, principalmente no contexto da circulação das variantes gama e delta no Brasil 13,15,16.
Atualmente, dados oficiais apontam que apesar de 53 milhões de brasileiros estarem com o esquema imunizante completo, quase nove milhões de pessoas ainda não retornaram para a segunda dose das Vacinas Covid que demandam duas aplicações, e, portanto, não estão devidamente protegidos 17.
O segundo desafio é a circulação das VOCs, em especial da variante delta, que já está circulando em muitas regiões do Brasil, substituindo a VOC gama que anteriormente havia surgido no Brasil em dezembro de 2020 3,4,18. A VOC delta tem como principal problema a alta transmissibilidade, cerca de 2 a 3 vezes maior que o SARS-COV-2 original, sendo que no Brasil a prevalência dessa variante passou de apenas 2,3% em junho para quase 40% em agosto de 2021 18.
Apesar dos estudos de vida real das vacinas Covid no Brasil evidenciarem boa efetividade na redução de casos graves e óbitos inclusive com a VOC delta, medidas não farmacológicas de prevenção devem ser otimizadas no cenário de circulação dessa variante, frente ao risco de uma explosão de casos, e maior chance de doença grave em não vacinados e eventualmente situações de falha vacinal.
O terceiro desafio é a menor efetividade das Vacinas Covid em idosos e imunossuprimidos, que já foi demonstrada de forma linear para todas as plataformas de imunizantes. Devido ao fenômeno conhecido como imunossenescência, os idosos maiores que 70 anos tem resultados de proteção contra quadros graves e fatais de Covid-19 menos efetivos que a população em geral, principalmente após cinco a seis meses após a vacinação completa 15, 16.
O mesmo fenômeno ocorre em indivíduos recebendo quimioterapia para câncer, medicações imunossupressoras para evitar rejeição de transplantes, portadores de imunodeficiências primárias, pessoas vivendo com HIV com contagem de linfócitos T CD4 menor que 200 céls/mm3 e uso crônico de altas de corticoide 19.
Dessa forma, vários estudos foram iniciados para se avaliar a benefício de uma dose de reforço de Vacina Covid nessas populações mais vulneráveis, sendo que os resultados dos ensaios científicos disponíveis até o momento apontam para a necessidade de uma dose extra nessas condições, posição que foi adotada em nota técnica do Ministério da Saúde do Brasil no final de agosto, contemplando justamente a população idosa e os imunossuprimidos, presencialmente se utilizando como imunizante de reforço vacinas de mRNA ou de vetor viral, preferindo a intercambialidade em relação ao esquema original 20.
Os desafios da Vacinação Covid no Brasil não se resumem apenas à esses três pontos principais, mas passam também por temas como a equidade, imunização de crianças e adolescentes entre outros. Mas de forma geral, apesar da demora inicial na implementação de um programa realmente efetivo, graças à eficiência do SUS e da baixíssima recusa vacinal (2 à 4% das indicações) o cenário da Pandemia Covid no país vem finalmente mudando para uma situação de menor impacto em termos de mortalidade, que só poderá se consolidar se a nação mantiver o ritmo adequado de imunização aliado ao pacote de prevenção não farmacológico (uso de máscaras e distanciamento social).
Referências
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* Alexandre Naime Barbosa, professor e chefe do Departamento de Infectologia da UNESP, Consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia para Covid-19, Membro do Núcleo Executivo da Comitê Extraordinário de Monitoramento Covid-19 da Associação Médica Brasileira.
** César Eduardo Fernandes, professor titular de Ginecologia da Medicina ABC, presidente e Membro do Núcleo Executivo da Comitê Extraordinário de Monitoramento Covid-19 da Associação Médica Brasileira da Associação Médica Brasileira.
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