Em 28 de junho de 1969, frequentadores/as LGBTI+ do bar Stonewall, em Greenwich Village, Nova York, reagiram contra as repetidas batidas e prisões arbitrárias da polícia enquanto violação dos seus direitos humanos. Segundo relatos, a revolta durou três dias sem parar. Um ano depois, mais de 10 mil pessoas realizaram uma passeata para relembrar o ocorrido e exigir tratamento igual perante a lei. Manifestaram orgulho, e não vergonha, de serem LGBTI+. Foi o início das comemorações do Dia do Orgulho LGBTI+, hoje realizadas na maioria dos países.

Por que tinha, e ainda, tem tanto preconceito e discriminação contra pessoas LGBTI+? Durante séculos as pessoas LGBTI+ foram vistas como pecadoras (ainda são vistas assim hoje por determinados setores religiosos ultraconservadores). Em seguida, foram vistas como criminosas (em alguns países ainda é crime punido com pena de morte), e por último como doentes. A homossexualidade só deixou de ser considerada doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1990, e a transexualidade em 2018. Estas últimas decisões da OMS são bastante recentes e assim os estigmas acumulados durante séculos ainda se fazem muito presentes. O preconceito contra pessoas LGBTI+ é milenar e, consequentemente, ainda está fortemente arraigado em nossa sociedade.

No Brasil, o movimento de organização em prol da reivindicação dos direitos humanos das pessoas LGBTI+ começou quase dez anos depois da Revolta de Stonewall, no final dos anos 1970. O que teve um início muito promissor, ficou “emperrado” logo no início dos anos 1980. Os motivos principais foram divergências dentro das organizações LGBTI+ que estavam se formando, bem como a chegada da epidemia da aids e seu impacto na população LGBTI+, principalmente nos gays. De certa forma, a luta contra a epidemia da aids tomou prioridade sobre o movimento em prol dos direitos humanos em nossa comunidade.

Já nas décadas de 1990 e 2000, o movimento LGBTI+ começou a se reorganizar, a se fortalecer, e parte dele incorporou a luta contra a aids também, unificando os esforços. No mesmo período e na década seguinte, a ciência proporcionou diversas respostas para o enfrentamento combinado ao HIV, possibilitando diversos meios de evitar que a infecção fosse tão letal quanto era no início da epidemia.

Também desde meados dos anos 1990, o Brasil começou a seguir a tradição do Orgulho LGBTI+. A visibilidade proporcionada pelas paradas LGBTI+ no Brasil contribuiu para mudanças positivas notáveis na forma como a comunidade LGBTI+ é tratada e vista, por alguns. Na última década houve avanços consideráveis no Brasil no reconhecimento pelo Judiciário da igualdade de direitos e também de direitos específicos da população LGBTI+: a equiparação da união estável homoafetiva em 2011, o direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo em 2013, o direito à adoção por casais do mesmo sexo em 2015, o direito ao reconhecimento da identidade de gênero das pessoas trans em 2018 e o reconhecimento da violência e da discriminação LGBTIfóbicas como uma forma de racismo e puníveis como tal, em 2019, entre outras decisões notáveis do Supremo Tribunal Federal (STF), o “guardião da Constituição Federal”.

Porém, ainda há diversos desafios a serem superados. Há décadas, mais de 300 pessoas LGBTI+ são assassinadas no Brasil todos os anos apenas por serem LGBTI+. As escolas são ambientes hostis para adolescentes LGBTI+. Pessoas trans e travestis são marginalizadas e sua empregabilidade é no mínimo precária. A intolerância à comunidade LGBTI+ por parte de setores ultraconservadores e fundamentalistas permeia certas religiões, ao detrimento do Estado Laico, contribuindo para semear o ódio gratuito e irracional contra pessoas LGBTI+. Diferente do STF, desde 1988 o Congresso Nacional não aprovou uma única lei que proporcionasse proteção jurídica específica à população LGBTI+.

Toda esta trajetória percorrida desde a Revolta de Stonewall em 1969 mostra que quando resistimos às adversidades, aos poucos elas vêm sendo superadas. Neste período de um pouco mais de 50 anos, muitos foram os avanços jurídicos e sociais, sobrevivemos à epidemia da aids e com resistência sobrevivemos também à pandemia da covid-19.

* Toni Reis, diretor presidente da Aliança Nacional LGBTI+, doutor em educação.