Fazer do limão, uma limonada, para encarar a vida, os obstáculos e a fúria da covid-19. Buscar nos colegas e amigos o apoio necessário a fim de suportar a ausência dos familiares. E fazer uma festa no coração, quando se tornarem impossíveis os encontros de confraternização.

Para quem trabalha na linha de frente dos hospitais, o Dia Internacional da Mulher, celebrado hoje, reafirma a coragem e a força das profissionais de saúde que conciliam luta pela vida, família e, nos momentos que sobram, algum lazer.

Nos depoimentos a seguir estão as ideias, o afeto e as palavras da médica cardiologista e intensivista Amanda Santos Pereira, da enfermeira Francielle Gobira e da fisioterapeuta Rozana Astolfi Cardoso. As três trabalham na Santa Casa BH (100% SUS), maior hospital filantrópico de Minas e referência em atendimento a pacientes com covid-19.

Fragilidade, resiliência e antifragilidade

“Estamos vivendo um momento importante na nossa vida e também na história da humanidade: somos convidados a pensar no outro, a refletir sobre nossos atos, a rever conceitos, enfim, buscar um caminho sem egocentrismo, hedonismo, conflitos.

Hoje, às 5h, estava correndo na Avenida Bandeirantes (Região Centro-sul de Belo Horizonte) e me lembrando do livro O Antifrágil: Coisas que se Beneficiam com o Caos, de Nassim Nicholas Taleb. Fiz, então, um paralelo com esses tempos de pandemia. Há a maioria da população que se encontra em situação de fragilidade, outra parte sendo resiliente ou suportando ‘o sabor ácido do limão’ e uma minoria fazendo do limão uma limonada e colhendo bons frutos na pandemia.

Eu me incluo nesse último grupo, a exemplo de muitas mulheres mundo afora. Num único dia, as mulheres conseguem transitar nessas três fases – fragilidade, resiliência e antifragilidade. E feliz daquelas que têm um homem em casa para entender essa dinâmica que oscila para encontrar o prumo, o equilíbrio. Para o homem que estava acostumado a sair todo dia para trabalhar, e de repente fica em casa, é muito desafiador também.

Sou médica há 15 anos, casada com um administrador, o Valdir. Tenho dois filhos: a Luísa, de 11, e o Lucas, de 9. Na Santa Casa, sou cardiologista e intensivista, atuando na gestão, o que exige foco triplicado. Mas faço ‘de cada limão uma limonada’ para conciliar trabalho, tarefa dos filhos, lazer. É o ciclo da vida se cumprindo e exigindo de nós a coragem.”

Cuidar, o verbo que virou missão

“Foram muitas as vezes em que segurei a mão de um paciente que estava sendo intubado no CTI, muitos os momentos em que ouvi o desabafo de familiares desesperados, outras tantas em que estive perto, muito perto mesmo, de quem estava morrendo. Acho que as mulheres têm o poder de esconder a própria dor para escutar a dor do semelhante. Ainda mais em situações extremas.

Não gosto de ficar romantizando nosso papel no mundo: temos nossas fragilidades, mas também a visão ampliada para a compreensão, uma sensibilidade aflorada que, acredito, vem da maternidade. Não sou mãe, mas ressalto que a família é fundamental na minha vida, principalmente neste último ano com tanto sofrimento. Nasci em Divisópolis, no Vale do Jequitinhonha, e minha família mora no interior da Bahia. Estou sozinha em BH, mas os colegas da Santa Casa e os amigos formam minha ‘nova’ família.

Sou apaixonada pela minha profissão, me formei em enfermagem há 13 anos e vou completar 11 aqui no hospital. Nosso objetivo maior é cuidar, faço desse verbo uma missão.

Estou na linha de frente, já tomei as duas doses da vacina, mas sinto falta demais dos meus pais, dos meus sobrinhos, enfim, de todos os familiares que não vejo há muito tempo e não foram ainda imunizados. Sei que são meses difíceis, mas devem servir de reflexão. O que realmente importa na vida, o que tem verdadeiro valor para nós?

Cuidar da saúde e tentar responder essas questões é o melhor para todos nesta quarentena. E precisamos que a vacina chegue logo para os brasileiros de Norte a Sul, de Leste a Oeste.”

Guerreiras em prol da vida

Hoje é aniversário do meu filho Arthur. Ele faz 15 anos, mas a festa é mesmo só no nosso coração, pois ainda não dá para reunir familiares e amigos. Em 14 de agosto, quando minha filha Giovana completou 11 anos, foi do mesmo jeito: sem celebração, como deve ser no isolamento social.

Portanto hoje, Dia Internacional da Mulher, as felicitações devem ser para valorizar a força de tantas profissionais de saúde que se encontram em hospitais, centros de saúde, clínicas e outras unidades lutando conta a covid-19. São guerreiras maravilhosas se superando a cada dia em prol da vida. Por trás das máscaras e dos demais equipamentos que protegem o rosto e o corpo, está um ser humano empenhado no cuidado, confiante na cura, disposto a afastar a dor.

Atravessamos tempos diferentes, difíceis, está tudo oscilando muito, nos causando muita tristeza principalmente pelo aumento dos casos em Minas. Sendo mulher, mãe duas vezes e profissional de saúde, tenho esperança de que os tempos mudem e que haja mais vacinas para diminuir o sofrimento humano.

Meu marido, Klaus, não é da minha área, mas tem sido companheiro e entendido a batalha diária. A família, para mim, é tudo na vida e me fortaleço a cada dia olhando para meus filhos.

Minha mãe mora em Belo Horizonte, mas não a vejo sempre, embora eu já tenha recebido as duas doses da vacina. Ela me manda mensagens positivas para me encorajar a cada instante. São palavras de afeto, força e religiosidade, fundamentais para encarar a pandemia.

Acredito em dias melhores – e tenho boas expectativa quanto ao futuro”.

Fonte: O Estado de Minas