O hematologista Ruddy Dalfeor tem o sangue na profissão e na solidariedade. Especialista em transplante celular de pacientes com câncer, ele conhece de perto o sofrimento de quem depende de uma doação para se manter vivo. Mas, ontem, foi além. Recuperado da Covid-19, ele se tornou a primeira pessoa no estado do Rio de Janeiro a doar plasma para tratar um doente grave com a Covid-19.

Ele doou o chamado plasma convalescente no Hemorio. O plasma doado por ele deveria ser usado ainda ontem num paciente do Hospital do Cérebro. Aos 30 anos, ele alerta aos jovens para não se considerarem imunes ao novo coronavírus: “Sempre fui saudável e fiquei muito mal”.

Por que você foi selecionado?

Porque atendo aos critérios de doação para o protocolo de tratamento experimental com infusão de plasma convalescente de pacientes recuperados de Covid-19. Tive pneumonia com diagnóstico sorológico de Covid-19, testes comprovaram que meu corpo produziu grande quantidade de anticorpos capazes de combater o novo coronavírus e estou saudável. Também sou jovem.

Como você adoeceu?

Eu tratava de pacientes que haviam contraído o coronavírus. Mas não imaginei de início que pudesse ser Covid-19. Comecei a apresentar os primeiros sintomas, algumas dores, numa quarta-feira, mas não eram fortes nem convencionais. No dia seguinte, senti dores lombares muito fortes e tive febre baixa. Mas, na sexta-feira, meu paladar desapareceu. Colhi sangue para fazer exame e a dor continuava, pensei em cálculo renal. No sábado, fiz uma tomografia. Foi uma surpresa, mas o que eu tinha, na verdade, era pneumonia.

Novidade: Governo prevê resultados sobre tratamento para coronavírus com uso de plasma em 30 dias

Qual o resultado do exame?

O exame de PCR que fiz deu negativo. Mas fiquei oito dias com sintomas muito fortes. Dores violentas, febre, fadiga intensa e perda de apetite. É desesperador porque o quadro da doença não muda, ela não cede, todos os dias é o mesmo sofrimento. Até que, no nono dia, um domingo, acordei melhor, sem febre e dor. Só não tinha paladar.

Se o teste deu negativo, como soube que era coronavírus?

Ele não deu negativo só uma vez. Eu fiz um novo teste, após essa primeira semana que voltou a negativar. Porém, o teste sorológico, o Elisa, deu positivo tanto para anticorpos IgM (que sinalizam infecção aguda) quanto IgG (indicam que o corpo já responde com ação mais específica à infecção).

Você está doando plasma para um tratamento experimental ainda. Como médico que já teve a doença, como vê essas terapias, já que não há nada comprovado contra a Covid-19?

O tratamento com plasma tem tido bons resultados em testes e é um método muito conhecido, seguro. Não será uma solução para todos, mas oferece esperança real para os doentes graves neste momento. Quanto às drogas é preciso esperar. Eu, por exemplo, decidi não usar cloroquina porque acho melhor aguardar a conclusão das pesquisas. Há muitos estudos em andamento sobre remédios, mas nada é conclusivo.

Como é a doação para o tratamento com plasma?

Para ser doador seus anticorpos precisam ser neutralizantes, isto é, impedir a replicação do vírus. Então, depois que passei o tempo de recuperação, estive esta semana no Hemorio e colhi plasma primeiro para a análise de serologia. Esse tratamento faz parte de um protocolo de pesquisa. É preciso antes comprovar que o plasma tem anticorpos neutralizantes eficientes e se certificar que são produzidos em alta quantidade. Como foi aprovado nesses testes, vim então ao Hemorio pela segunda vez, agora para doar o plasma que será usado para tratar um paciente. Fiquei extremamente feliz de poder ajudar outra pessoa. Esta é uma doença terrível.

Você é jovem e adoeceu, que conselho dá aos jovens?

Que se cuidem muito, se protejam, mantenham distanciamento e ajudem a conter o vírus. Há muitos pacientes jovens com Covid-19 entubados, lutando pela vida. Eu sou jovem, sempre fui saudável e fiquei muito mal, muito mal mesmo. Esse é um vírus novo, sabemos pouco sobre ele, sobre a dinâmica dele. Sabemos, por exemplo, que há pessoas com Covid-19 que não desenvolvem anticorpos. O coronavírus não tem seguido o padrão habitual de infecções virais.

Você tirou alguma lição da Covid-19?

Nós profissionais de saúde ultimamente estamos sendo chamados de heróis, mas a verdade é que infelizmente não temos superpoderes, nós também adoecemos, tememos por nossa saúde e daqueles que nos cercam…

E dá algum conselho?

O que eu fiz — e faço rotineiramente nas doações de plaquetas — pode ser feito por milhares de pessoas; e os bancos de sangue precisam de doadores de sangue, doadores de plaquetas, doadores de medula e, agora, doadores de plasma.

Fonte: O Globo