A administração Trump tomou uma medida rara na quarta-feira (6): moveu uma ação judicial contra a empresa farmacêutica Gilead Sciences por infração de patente em torno das vendas de Truvada para a prevenção do HIV. Trata-se de uma terapia crucial inventada e patenteada por pesquisadores dos CDC (Centros de Controle de Doenças).
“A Gilead precisa respeitar o sistema de patentes dos EUA, o trabalho inovador de pesquisadores do CDC e as contribuições substanciais feitas pelos contribuintes americanos para o desenvolvimento desses medicamentos”,disse em comunicado o secretário do HHS (Departamento de Saúde e Serviços Humanos), Alex Azar.
Em comunicado divulgado na noite de quarta-feira, o HHS disse que a Gilead “infringiu intencionalmente as patentes do HHS”.
O departamento disse que em consequência disso “a Gilead lucrou com pesquisas financiadas por centenas de milhões de dólares dos contribuintes e faturou bilhões com PrEP (profilaxia pré-exposição)” graças à venda de Truvada e de um medicamento mais recente da Gilead, o Descovy. O departamento disse ainda que não obstante os esforços realizados pelo governo para alcançar um acordo com a empresa, “a Gilead vem repetidamente se recusando a obter licenças para a utilização de patentes do HHS”.
A ação legal foi tomada após um artigo publicado pelo Washington Post em março que descreveu um impasse formado entre a Gilead, o CDC e os Institutos Nacionais de Saúde em torno da patente do Truvada para a PrEP. O “Post” noticiou a frustração de ativistas e pesquisadores porque, apesar de ter obtido suas patentes em 2015, o governo não havia iniciado uma ação legal quando confrontado com a resistência da Gilead.
Em abril o Washington Post noticiou que o Departamento de Justiça abriu uma revisão da patente.
A Gilead contestou as patentes do governo e em agosto abriu uma ação legal de contestação de patentes. A empresa não respondeu a pedidos de comentários na quarta-feira (6).
Ativistas que combatem o HIV disseram que a iniciativa do governo constitui o “primeiro passo” para a disponibilização mais ampla do Truvada para finalidades de PrEP.
O uso de Truvada para PrEP é um elemento crucial das estratégias de saúde pública para erradicar o HIV e a aids até 2030, meta encampada pelo presidente Trump. Mas o custo do medicamento –US$20 mil ao ano (R$ 82 mil)—é criticado por ativistas e autoridades de saúde pública. A Gilead ganhou US$3 bilhões (R$ 12,2 bi) em 2018 com as vendas de Truvada.
O coletivo de ativistas PrEP4All Collaboration (Colaboração PrEP para Todos) disse em comunicado: “Há quase dez anos os preços exorbitantes praticados pela Gilead sobre medicamentos usados na PrEP impede centenas de milhares de americanos de terem acesso a essa tecnologia, apesar de ser uma invenção paga pelos contribuintes. Se o HHS quer realmente acabar com a epidemia de HIV, ele usará essas patentes para garantir que todos que precisam de PrEP tenham acesso a esse tratamento.”
Até agora o CDC e outros órgãos de saúde federais americanos haviam dito pouco sobre a disputa. Na quarta-feira o HHS disse que cientistas do CDC descobriram a utilização preventiva do Truvada –que a Gilead havia desenvolvido para tratar o HIV após a contaminação com o vírus—em meados da década de 2000.
Em sua contestação registrada em agosto junto ao Escritório de Marcas e Patentes dos EUA, a Gilead disse que pesquisadores independentes já haviam discutido a ideia de utilizar o Truvada para prevenir o HIV quando o CDC registrou a patente.
Empresa já foi acusada de abusar de patente no Brasil
Em outubro deste ano, a Gilead foi acusada de abuso de direito decorrente da patente na venda do medicamento sofosbuvir, que cura a hepatite C em 95% dos casos.
A acusação foi feita em uma representação ao Cade, órgão que regula a concorrência no Brasil, protocolada pela Defensoria Pública da União, pelos Médicos sem Fronteiras e por outras sete entidades.
Na representação, as entidades afirmam que a Gilead aumentou em 1.421,55% o preço médio do medicamento sofosbuvir em vendas a órgãos públicos desde que passou a valer a patente concedida pelo Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), em janeiro deste ano.
Em nota, a Gilead afirmou que a acusação causa estranheza, porque a empresa não fornece o medicamento ao Ministério da Saúde desde 2017.
No período em que a Gilead teve a concorrência em pregões do sofosbuvir genérico fabricado pela Blanver-Farmanguinhos, de julho de 2018 a janeiro de 2019, o preço médio da cápsula caiu de R$ 639,29 para R$ 64,84, segundo a representação.
Após a concessão da carta-patente à Gilead, em janeiro de 2019, o preço médio do medicamento passou de R$ 64,84 para R$ 986,57, segundo a representação —ou seja, aumento de 1.421,55%.
A Gilead afirma que a venda a governos estaduais e municipais se dá através de distribuidores autorizados, e não diretamente pela empresa. E diz que “a concessão da patente, em janeiro do corrente ano, foi absolutamente irrelevante no estabelecimento de preços de medicamentos para o tratamento da hepatite C”.
Fonte: Folha de S. Paulo