A retirada da palavra aids do nome oficial do Departamento de Aids tem sido duramente criticada por parte do movimento social de luta contra a aids. Desde a última sexta-feira (17), o nome oficial passou a ser Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. “Sabemos que o que não é nominado corre-se o risco de ser esquecido ou negligenciado. Apesar dos avanços em novas tecnologias em relação ao HIV/aids, vivemos ainda situações muito preocupantes”, disse o ativista Beto de Jesus, da AHF Brasil. Para o jovem Rafael Sann, “a mudança de nomenclatura é uma clara tentativa de invisibilizar o HIV e mais uma fez reforça a homofobia de Jair Bolsonaro, uma vez que o mesmo acredita que HIV é um vírus que só acomete essa população.”

Na opinião de Carlos Henrique, do Coletivo Loka de Efavirenz, “o momento que vivemos no Brasil para fazer isso é o pior possível, tanto a nível político, com um governo de extrema-direita, como a nível de financiamento, com o teto de gastos públicos vigorando por vinte anos e o fim dos blocos de investimentos (verbas carimbadas).” Leia a seguir:

Vanessa Campos, representante Estadual da RNP+Amazonas e membro do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas: “A mudança do nome do Departamento de IST/HIV/Aids e Hepatites Virais para “Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis” é a invisibilidade total da aids e suas demandas específicas. Isso já vem sendo feito na prática com a campanha de prevenção no Carnaval que focou em homens cis héteros. Além disso, com a incorporação da hanseníase na pasta, também divide-se a atenção com esta outra especificidade que  já não recebe o enfoque necessário há anos. Resta a pergunta: e a implementação de recursos financeiros para tudo isso, como fica? A aids não é prioridade para este governo!”

Beto de Jesus, diretor da AHF Brasil: “Uma das minhas preocupações com a mudança do DIAHV para DDCCIST – Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis é a invisibilidade do HIV/aids. Sabemos que o que não é nominado corre-se o risco de ser esquecido ou negligenciado. Apesar dos avanços em novas tecnologias em relação ao HIV/aids, vivemos ainda situações muito preocupantes. Dados do próprio Ministério da Saúde indicam que um a cada quatro homens que fazem sexo com homens no município de São Paulo tem HIV. Em 2011, outro estudo realizado no centro da capital havia apontado uma prevalência de 15% nesse grupo, ou seja, em menos de 10 anos crescemos para 25% de prevalência nessa população.  Isso me traz muita preocupação.”

Rafael Sann, membro do Colegiado da Rede de Jovens de Minas Gerais: “Recebemos com preocupação a mudança de nomenclatura, mas não com surpresa. O atual presidente vem fazendo ataques às pessoas vivendo com HIV há anos. A mudança de nomenclatura é uma clara tentativa de invisibilizar o HIV e mais uma fez reforça a homofobia de Bolsonaro, uma vez que o mesmo acredita que HIV é um vírus que só acomete essa população. Me preocupa também como seguirá as instância oficias de controle social do departamento, como Cams e a CNAIDS, onde os movimentos sociais de pessoas que vivem com HIV tem voz e voto. Outro ponto a ressaltar é que ainda não foi explicado como ficará a dotação orçamentária da nova estrutura e também o fluxo de compra e licitação, pois sabemos que o departamento já teve problemas com esses setores, o que culminou com falta de insumos de prevenção e até de medicação. Precisamos saber se nova a estrita irá manter o mínimo que já temos, para isso precisamos de união dos movimentos e ONGs.”

Rodrigo Pinheiro, presidente do Fórum de ONGs/Aids do Estado de São Paulo: “Um retrocesso, tirar o nome da patologia perde visibilidade de um grande problema de saúde pública, onde falta vontade política por parte das gestões para melhorarmos a resposta.”

 

Vando de Oliveira, da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids Ceará: “Quando juntaram as várias patologias em um único departamento ficou claro que a aids perderia visibilidade. E é justamente o que está acontecendo neste momento, o atual governo quer acabar com a política que construímos ao logo dos anos. Não vou ficar surpreso se em breve acabarem de vez com o Departamento de Aids, este foi só o primeiro passo.  Precisamos reagir e botar o bloco na rua outra vez, não vamos aceitar retrocessos. A atual política representa um genocídio para as pessoas vivendo com HIV/aids. Queremos um basta. Sim aos direitos humanos. A nossa luta é pela vida.”

Carlos Henrique de Oliveira, da Rede de Jovens São Paulo Positivo e do coletivo Loka de Efavirenz: “A junção de pastas do HIV com a tuberculose e a hanseníase segue diretrizes internacionais da ONU que objetivam trazer mais recursos para a tuberculose em eclipsá-la. No entanto, o momento que vivemos no Brasil para fazer isso é o pior possível, tanto a nível político, com um governo de extrema-direita, como a nível de financiamento, com o teto de gastos públicos vigorando por vinte anos e o fim dos blocos de investimentos (verbas carimbadas). Meu principal receio é termos uma crise financeira nas respectivas áreas e que tanto a aids como a tuberculose e a Hanseníase tenham invisibilidade, não tenham as especificidades reconhecidas. Tirar o nome aids do departamento é um erro higienista terrível, em minha visão. É colocar a aids pra debaixo do tapete, em certo sentido.”

Salvador Campos Corrêa, escritor e ativista do Movimento de Aids e coordenador de treinamento e capacitação da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids): “A mudança do nome do departamento é grave para a resposta de todas as doenças que por ele são coordenadas. Existe no mundo um processo de invibilização da aids e do HIV, que é defendida pelo argumento de cronicidade da doença. No entanto, é ainda mais crônica a incipiencia da resposta nacional e global à aids. Percebe-se que diversos fundos internacionais excluem a resposta ao HIV da área de seus financiamentos, alguns chegam a mudar de nome – retirando a palavra aids e HIV. Desde a retirada da aids dos objetivos do milênio, o cenário da resposta local e global afunda, permeada pelo risco da ameaça da expansão da epidemia. Isso já algum tempo vinha acontecido com a reposta à aids no país. O desmatamento da resposta ao HIV já vem ocorrendo há alguns anos no país. A área do Ministério da Saúde já se chamou programa, coordenadoria, departamento e agora retiram o HIV/aids. A resposta à aids nos mostrou que somos capazes de apostar na solidariedade como um caminho para viver em sociedade – como nos inspirou Betinho, Herbert Daniel e tantos militantes. Que sejamos capazes de honrar seus feitos. Aprendemos que a saúde pode contribuir para além do biopsicosocial. Aprendemos a apostar na sociedade e na nossa capacidade para lidar com desafios complexos como o caminho possível para lidar com grandes epidemias e graves crises. Ao mudar o nome do departamento, muda-se também o desafio para a sociedade civil. Ao acabar com o que era referência para outros programas e serviços, o governo sinaliza que o SUS está ameaçado – e, com ele, a saúde de milhares de pessoas. O assassinato do programa de aids é um golpe grave no SUS constitucional que defendemos. O departamento de aids deveria ser valorizado e mantido como exemplo de que podemos nos mobilizar – governo, academia e sociedade civil – para enfrentar situações graves. Poderia ser um exemplo de como encarar muitos problemas brasileiros, que vão além do escopo da saúde – inclusive. Defender a existência do departamento de aids é apostar no que a história nos mostrou: somos capazes de ser exemplo internacional, exatamente por que fomos capazes de apostar nos direitos humanos. Jamais esqueçamos o que somos! Que encontremos a força da fênix para renascer!”

 

Redação da Agência de Notícias da Aids