Richard Parker é diretor do Centro para Estudos de Cultura, Política e Saúde na Escola de Saúde Pública da Universidade Colúmbia (EUA) e diretor-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia). Para ele, o modelo atual de controle do HIV apresenta necessidade de mudanças e de uma reposta em conjunto dos diferentes setores da sociedade, como gestores, cientistas e movimento social. Confira seu depoimento na íntegra:
Existem hoje no mundo 26 milhões de pessoas sem acesso ao tratamento contra o vírus HIV. O que significa dizer que há um expressivo contingente da população em risco de desenvolver a aids por não ter acesso aos antirretrovirais, conjunto de medicamentos capazes de frear o vírus.
Em vez de buscarem respostas para garantir a vida dessas pessoas e o controle da epidemia, vários organismos mundiais — entre eles, a própria Organização das Nações Unidas (ONU) — e os principais países ricos, acompanhados de outras nações menos desenvolvidas, apostaram nas metas globais que sugeriam acabar com a epidemia até 2030. Já se vislumbrava e se comemorava o fim da aids, discurso que foi reproduzido pela mídia em reportagens e coberturas especiais.
A base desse plano entusiasta residia nos avanços científicos, tecnológicos e farmacológicos. Seu maior erro, porém, foi ter deixado de dar crédito às respostas comunitárias, sociais e políticas e às denúncias dos ativistas e das pessoas vivendo com HIV e aids sobre os problemas impostos pela epidemia.
Não há como eliminar a doença sem combater as barreiras estruturais e culturais que a sustentam — ou seja, as desigualdades e as exclusões socioeconômicas que atingem populações marginalizadas e que têm sido cada vez mais potencializadas pelo crescimento global do conservadorismo, do racismo, da xenofobia, da homofobia e pelo consequente fortalecimento do estigma e da discriminação.
Nesses tempos sombrios, a epidemia se expande pela ausência da sexualidade nas campanhas de prevenção, por falhas sistemáticas no abastecimento dos antirretrovirais ou por fatores gerados por crises políticas e econômicas internas — em alguns casos, até pela guerra civil.
E tem consequências dramáticas para as populações, incluindo aí os cidadãos que já convivem com o vírus. Venezuela, Argentina e mesmo o Brasil são exemplos do recrudescimento da epidemia.
A chave para reverter esse cenário depende de as autoridades nacionais e mundiais assumirem o desafio de encontrar uma resposta construída conjuntamente com a sociedade civil, governos, gestores, cientistas, profissionais da saúde e de serviços e as pessoas que vivem com HIV e aids. Mais do que nunca, é preciso buscar retomar o controle da epidemia com base nos princípios dos direitos humanos, da solidariedade e da própria democracia.