Maria Alice* nasceu com HIV, soube aos 7 anos que era soropositiva e, desde então, luta contra a aids. Sua mãe se infectou ainda nos primeiros anos da epidemia e não imaginava que pudesse ter HIV, fez o pré-natal e, segundo a jovem, não pediram o teste na época. “Eu sempre tive uma saúde frágil, minha mãe também ficava doente com frequência, fui internada inúmeras vezes, desenvolvi um quadro de aids e recebi o meu diagnóstico tardiamente.” Hoje, grávida de sete meses, a jovem está seguindo todas as orientações médicas para que sua filha nasça livre do HIV.

“Vou ao SAE [Serviços de Atendimento Especializado em DST/Aids] pelo menos duas vezes ao mês, estou fazendo vários exames e as minhas células de defesa estão elevadas, carga viral indetectável, não tenho problemas com a adesão ao tratamento, sempre me cuidei.”

Alice disse sua gestação é bem regrada, sem enjoos e desejos. “Estou me alimentando bem, engordei seis quilos e as médicas responsáveis pelo pré-natal disseram que a minha filha está ótima. Elas, a cada consulta, tiram minhas dúvidas sobre ser mãe. Tudo está encaminhando para que o meu parto seja natural. Estou na torcida”, afirmou.

Em geral, os especialistas dizem que o tipo de parto mais indicado para a mulher com HIV é a cesárea eletiva, feita cerca de dez dias antes da data prevista para que a mulher não entre em trabalho de parto.  As contrações aumentam o bombeamento de sangue entre a placenta e o bebê, o que pode estimular a maior circulação do vírus.

De acordo com o Ministério da Saúde, se a mulher desejar o parto normal, como Maria Alice, poderá fazê-lo, contanto que a carga viral seja indetectável. Deve-se também evitar o trabalho de parto por mais de quatro horas, para que o bebê não tenha contato direto com as secreções da mãe; o uso de fórceps, que pode causar escoriações na cabeça do bebê, criando uma entrada para o vírus; e a episiotomia, que põe a criança em contato direto com o sangue da mãe.

“Estou por dentro de tudo, já me orientaram sobre a não amamentação e estou me dedicando para que essa criança venha ao mundo da melhor forma possível, a minha médica garantiu que vai acompanhar meu parto.”

A jovem pernambucana vive uma relação sorodiscordante (quando um dos parceiros tem o HIV e outro, não), engravidou de forma natural e revelou que já estava nos planos ser mãe. “Eu sempre quis viver a maternidade, era um sonho. Mas quando descobri a gravidez foi um susto. Para mães e pais de primeira viagem tudo é novo, existe o medo do cuidar do outro, mas estou curtindo cada detalhe.”

Apressados, a mãe contou que o casal já organizou todo o enxoval. “O quarto da nossa bebê está montado, temos roupas, acessórios, produtos de higiene. Estamos ansiosos pela chegada dela”, comemorou.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) certificou, em 2015, Cuba como o primeiro país do mundo a erradicar a transmissão do HIV e da sífilis de mãe para filho.  Em todo o mundo, cerca de 1,6 milhão de mulheres que vivem com HIV engravidam por ano. Se não forem tratadas, a chance de transmissão do vírus para os filhos durante a gravidez, o parto ou amamentação é de 15% a 45%, de acordo com dados da OMS. No entanto, o risco cai para pouco mais de 1% se os medicamentos antirretrovirais forem oferecidos para as mães e para as crianças durante as etapas em que a infecção pode ocorrer.

Preconceito

Nem tudo são flores, antes mesmo de engravidar e se casar, ela optou por contar para o seu parceiro e para a família dele que vivia com HIV. “Eles não tinham informações sobre a doença, foi um susto, mas respondi todas as dúvidas. No começo, a minha sogra disse que eu poderia transmitir o HIV para o filho dela e condenar a vida dele. Esse foi um dos preconceitos que vivi e que me marcou muito. Com paciência expliquei que o tratamento contra a aids evoluiu e que as pessoas hoje vivem normalmente. Meu marido, pelo contrário, sempre me apoiou e entendeu que o HIV é só um detalhe em nossas vidas. Ele também está acompanhando o pré-natal de pertinho.”

Diversos estudos têm comprovado que quem tem HIV, faz tratamento antirretroviral e tem carga viral indetectável há pelo menos seis meses não transmite o vírus sexualmente.

Recentemente, Maria Alice vivenciou outra situação de preconceito e discriminação. “A enfermeira do SAE onde faço tratamento, em Campina Grande, me disse que eu era doída por ter engravidado mesmo sabendo da minha condição sorológica. Ela me julgou e afirmou que expus meu marido e minha filha. Fiquei indignada, relatei o caso a direção do SAE e a enfermeira foi chamada imediatamente para fazer uma reciclagem sobre o assunto. É vergonhoso sofrer preconceito por parte dos profissionais de saúde, quando eles deveriam estar preparados para nos acolher da melhor forma possível.”

Futuro

Engajada na luta contra a aids, Maria Alice disse que vai orientar a filha para que juntas lutem contra a doença. “Precisamos garantir o acesso a informação para reduzir o preconceito e a discriminação. Quero que a minha filha seja uma pessoa esclarecida e defenda a bandeira dos direitos humanos.”

“Neste Dia das Mães, desejo a todas as mães soropositivas um excelente dia. A minha, que não está mais entre nós, fica a saudade. Mas a principal mensagem é que podemos ter filhos e os nossos filhos não terão HIV. A nossa luta é também por humanização”, finalizou.

*Nome fictício

Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)