Carlos Henrique Nery Costa, Infectologista

O Brasil jamais ganhou um Prêmio Nobel. Alguns nomes ilustres como Jorge Amado, D. Helder Câmara e D. Zilda Arns chegaram perto do Nobel da Paz. Mais perto chegou Dr. Carlos Chagas, descobridor da doença que leva seu nome, mas os pares o renegaram e, em 1922, a Academia Sueca não concedeu o Nobel de Medicina a ninguém. Agora o Brasil tem uma grande oportunidade, a maior desde então.

O programa brasileiro de controle de DST/AIDS é um exemplo para todo o mundo. Precocemente, o Brasil desencadeou uma grande campanha para a prevenção da doença e foi a primeira nação a adotar, em larga escala, a terapia anti-retroviral para todas as pessoas que necessitavam, a despeito de categoria sócio-econômica. Isto resultou em diminuição acentuada do número de hospitalizações, seqüelas e mortes causadas pelo HIV. Graças a isto, o programa mostrou-se custo-efetivo, apesar de seu custo elevado.

Esta vitória brasileira foi produto de uma série de ganhos que o movimento social vinha acumulando ao longo das décadas de 70 e 80. Resultou na reforma sanitária, cujo elemento chave foi a Constituição de 1988: “saúde é direito de todos e dever do Estado”. De posse desta lei, os ativistas e as organizações sociais se mobilizaram e ensejaram o Estado a organizar o programa de controle de HIV/AIDS.

Milhares de pessoas morrem anualmente desta doença no mundo afora, principalmente na África. Muitas nações jamais conseguiriam combatê-la sozinha. Necessitariam de auxílio e, mais que apenas de recursos, do modo brasileiro de mobilização e de organização. O programa brasileiro é hoje, no mundo, o principal exemplo de enfrentamento desta devastadora epidemia. O seu reconhecimento em larga escala serviria de mote para que as nações ricas liberassem recursos para as mais pobres e ensinaria às mais pobres as estratégias que conduziram à melhor situação atual de nosso país.

Muitas pessoas contribuíram para a organização do programa brasileiro, em sua resposta às demandas geradas pela epidemia, encaminhadas pelo movimento social e possibilitadas pela lei. Contudo, uma pequena mulher se destacou. Dra. Lair Guerra de Macedo Rodrigues, dirigiu o programa durante os 10 anos mais críticos e o moldou ao seu estilo: audaz, ambicioso e justo. Esta pequena cabocla, de 61 anos, assistente social e biomédica de formação, nasceu em Curimatá, nos confins do Piauí, nos limites com a Bahia e com Tocantins. Graduou-se na Universidade Federal de Pernambuco, foi professora da Universidade Federal do Piauí e da Universidade de Brasília.

Pertence a uma família de sertanejos brilhantes: irmã de Carlyle Guerra de Macedo, ex-diretor e Diretor Emérito da Organização Pan-Americana de Saúde e de Alvimar, famoso clínico de Brasília. Fez pós-graduação nos Centro de Controle de Doenças (CDC) e em Harvard, nos Estados Unidos. Voltou ao Brasil e dirigiu o Programa de Saúde Materno-Infantil do Ministério da Saúde, de onde foi destinada a lutar contra a AIDS. Incansável, enfrentou a burocracia, os políticos e os governantes para alcançar as sua metas. Desenvolta, soube buscar os então críticos recursos internacionais.

Tragicamente, contudo, quando retornava de uma palestra sobre AIDS em Recife, em agosto de 1996, sofreu um grave acidente automobilístico. Permaneceu em coma durante dois meses e, desde então, as seqüelas a impedem de exercer plenamente sua profissão. Neste mesmo ano, recebeu o título de Personalidade da Década, concedido pela Confederação Brasileira de Mulheres e pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento da Juventude. Apesar do grave acidente, Lair está lúcida e pronta para receber e reconhecer homenagens.

Infelizmente, nações não recebem o Prêmio Nobel da Paz e, portanto, o Estado Brasileiro não pode ser premiado por seu magnífico exemplo de solidariedade e de justiça, oriundos do âmago da alma brasileira e do coração de sua Constituição. Pessoas podem, entretanto. Por ser um mártir da luta contra a AIDS, Lair Guerra de Macedo Rodrigues é a pessoa indicada para recebê-lo. Em reconhecimento a ela, a Assembléia Geral da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, reunida durante o seu XL Congresso em Aracaju, indicou o seu nome para o Prêmio Nobel da Paz em 9 de março de 2004, para providências junto ao Governo do Brasil. Seguindo o seu gesto, em nome de todo o Brasil, dos ousados e tenazes caboclos e sertanejos, o Governo do Piauí também solicitou, pessoalmente, ao Presidente da República em sua recente viagem à China, a sua indicação para esta honraria que o povo brasileiro ainda não pôde ser agraciado. Com esta sábia nominação, muito ganharão as pessoas pobres naqueles países em desenvolvimento onde é pior a situação da AIDS.

Carlos Henrique Nery Costa, Infectologista, Universidade Federal do Piauí, Doutor em Ciências pela Harvard School of Public Health. E-mail: crlshncst@aol.com