“Antes de ser transexual, sou muitas outras coisas e minha transexualidade não define quem sou. Sou Brunna Valin, orientadora socioeducativa no Centro de Referência da Diversidade, sou casada, sou HIV positiva, militante e ativista do movimento de aids e LGBT e também transexual. Talvez essa não seja a forma como muitas pessoas me enxergam e isso me incomoda.”
Assim ela se apresenta com a firmeza que precisou adquirir desde os 14 anos de idade, quando fugiu de casa. Depois disso, foi para São José do Rio Preto. Ficava às vezes na casa de um tio, depois na casa de outro parente. Quando cansou de não ser aceita, resolveu se virar sozinha. Foi para a rua e se tornou profissional do sexo. Foi a primeira vez que foi remunerada por um trabalho.
O diagnóstico veio há 16 anos. “O HIV chegou pra mim colocando grandes bombas na minha vida. E elas foram estourando aos pouquinhos.” Nesse momento, Brunna sentiu muito a falta da família. “Eu não tinha uma casa para morar, eu queria ter pai, queria ter mãe. E sabia que não teria nenhum momento para contar pra eles, porque se não me aceitavam enquanto pessoa, gênero, imagina alguém com HIV.”
Depois de seis anos de relacionamento, seu parceiro, também com aids, faleceu por insuficiência respiratória. “Eu fui a primeira viúva da aids do interior”, brinca. Hoje, Brunna está casada com um marido sorodiscordante.
O HIV, para ela, se transformou em uma forma de ajudar pessoas. “Estou dizendo que eu estou viva e lutando com HIV/aids e posso passar essa mensagem para o outro, mostrar que ele não vai morrer, mas que precisa se cuidar”.
Brunna conta que, ao longo de sua trajetória, precisou reafirmar sua identidade e acabou vivendo à margem por muito tempo. “De tanto levar porrada eu aprendi também a dar porrada. Hoje eu entendo que na militância é possível lutar com outras armas: de empoderamento, de palavras, de articulação, de mudança.”
Ela prefere ser lembrada pelo dia-a-dia simples que vive. “Minha realidade é colocar roupa no varal, brincar com a minha cachorra, beijar o meu marido, cuidar da minha casa, trabalhar. A vida de nós, travestis e transexuais, é uma sequência igual a de todos. Nós não somos diferentes.”
Para ela, ser mulher transexual é viver de liberdade e atitude. “Ter direito ao meu corpo, a minha alma e a minha vida é algo sem preço, mesmo vivendo num país retrodato neste fato.”
Quanto ao preconceito, Brunna conta que o convívio diário, com as pessoas mais próximas, é tranquilo, “mas quando me deparo com pessoas que nunca tiveram contato algum com a transexualidade vejo a indignação e a repulsa no olhar, como se todos tivessem que ser como eles querem”.
Trabalhando na área de inclusão social, ela percebe o quanto ainda falta informação. “Seria tão fácil ensinar a população que pessoas trans nasceram assim. Seria perfeito! Como as mulheres genéticas, as mulheres transexuais adotam nome, aparência e comportamentos femininos em razão de sua necessidade de querer e necessitar ser tratadas como quaisquer outras mulheres.”
Seu propósito de vida é claro, “não queremos direito à parte, não queremos nenhum direito a mais, queremos direito igual ao de todos, queremos ser reconhecidas enquanto pessoas, não por uma sigla, nem por uma identidade, nem por uma orientação, mas sim por seres humanos. Antes de ser transexual ou de ser o que quer que seja, eu sou a Brunna Valim.”
Redação da Agência de Notícias da Aids