“Não acordo todos os dias pensando sobre o fato de eu estar curado. Mas é uma alegria não precisar tomar medicamentos todos os dias”, conta Timothy Brown, o primeiro paciente do mundo a ser curado do HIV, durante o XIV Curso Avançado de Patogênese do HIV, em São Paulo.

Essa é a primeira vez que Tim Brown visita o Brasil. Para o público presente, ele resgatou sua experiência, angústias e desafios desde que entrou para o ativismo, não por conhecer sua sorologia, mas por ser homossexual. Eu era um ativista junto do ACT-UP 1991, antes de sair dos Estados Unidos. Eu queria estudar em Berlim, então fui para lá. Quando eu descobri meu diagnóstico, em 1995, eu tinha um parceiro na época e ele me disse que não queria ficar sabendo do próprio status sorológico. Ele preferia não saber se era soropositivo ou não.”

Quando recebeu o diagnóstico positivo, o único medicamento disponível no mundo ainda era o AZT. “Meu CD4 estava por volta de 200 quando descobri a infecção. Como sabia que o medicamento era muito invasivo, me recusei o tomar o AZT, até que meu médico me convenceu a tomar uma dosagem baixa.”

Após o surgimento do coquetel, em 1996, Tim conta ter vivido bem até o ano de 2006. “Voltei para os Estados Unidos para o casamento de um amigo, e eu me lembro que me sentia extremamente cansado. Quando voltei para Berlim, fiquei pior. Contei para meu namorado que me levou ao médico. Eles fizeram transfusões de sangue, sem resultados, e, então, me encaminharam para um oncologista. Esse oncologista fez uma biópsia da medula óssea e descobriu que eu estava com leucemia”, conta. 

O diagnóstico foi de leucemia mielóide aguda e logo Tim deu início a quimioterapia. Ele conta que acreditava estar melhor apesar de ter sofrido com os efeitos colaterais do tratamento. No entanto, em 2007, a leucemia retornou. O estágio já avançado da doença não permitiu outra alternativa que não fosse um transplante de medula óssea. “Essa seria a última alternativa.”

O médico de Tim, Dr. Gero Hütter teve então a ideia de procurar, dentre os doadores compatíveis, algum que fosse portador de uma mutação genética chamada CCR5delta32, cujo sistema é imune ao HIV. “É uma raridade, uma mutação presente em apenas 1% da população da Europa”, explica Tim. A intenção era de fato curar não apenas a leucemia, mas também o HIV. Três meses depois do procedimento, já não havia mais qualquer sinal do vírus no organismo de Tim, que ficou conhecido mundialmente como O Paciente de Berlim.

 

“Cansei de ficar doente”

Apesar da cura para o HIV, a leucemia de Tim retornou novamente em 2008. Em meio a inúmeros exames, os médicos acidentalmente causaram uma bolha de ar em seu cérebro, o que lhe deixou com paralisia. Tim perdeu a visão e precisou reaprender a falar e andar. Quando as complicações foram controladas, o mesmo doador de células-tronco voou novamente até Berlim, e o transplante de medula óssea foi repetido. “Graças a Deus, eu tive um doador muito generoso”.

“Houve um momento no hospital, logo após o segundo transplante, que eu disse que não queria viver mais, estava cansado do diagnóstico do HIV e, depois, das quimioterapias, dos transplantes, das complicações. Mas agora estou vivo, estou indo muito bem e não quero mais ficar doente”, diz sorrindo.

Após o período de recuperação, Tim retomou sua rotina. “Voltei para a academia e comecei a sentir que havia algo bom acontecendo com meu corpo. Os médicos disseram ok, talvez isso tenha funcionado. As pessoas estavam impressionadas como fato de o transplante ter curado o HIV. Os médicos começaram a procurar HIV em outras células, mas não encontraram. E eu me sentia bem, livre de remédios.”

O futuro do HIV

Tim acredita que outras forma de prevenção são necessárias, como a PEP (Profilaxia Pós-Exposição) e a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição). 

Para pessoas que vivem com HIV, ela é categórico ao dizer “tome sua medicação, assim você ficará indetectável e não será responsável por transmitir o vírus para outra pessoa. Hoje, a medicação está muito melhor do que quando comecei. Então, todos vocês são responsáveis por aderir ao tratamento e por lutar por avanços, por fazer mudanças.”

Quanto à cura, Tim defende que os profissionais de saúde, médicos e pesquisadores devem sair dos hospitais e clínicas e irem a campo, onde vivem as pessoas mais atingidas pelo vírus.

 

Tim quer aumentar “a família de pessoas curadas”

No mês de março deste ano, um paciente europeu que vivia com HIV deixou de apresentar sinais do vírus após um transplante de células-tronco. O caso, relatado na revista científica Nature, e seria o segundo já registrado no mundo. O motivo também não foi o vírus, mas um câncer. Por isso, médicos o fato pode ajudar a ciência a encontrar um caminho para a cura.

O Paciente de Londres, como ficou conhecido, já não tem sinal do vírus há 18 meses e, inclusive, deixou de tomar medicamentos contra a infecção. Porém, os pesquisadores dizem que ainda é muito cedo para dizer que a pessoa está curada do HIV.

“Para mim, a grande mudança foi parar de tomar medicamento todos os dias. Mentalmente, mas acho que posso inspirar outras pessoas, porque gostaria que mais pessoas pudessem ser curadas. Não quero ser egoísta, e é por isso que vou em conferências. É claro que o HIV e a cura afetaram minha vida, se tornou uma missão para mim.” 

Tim conta que recebeu há poucos dias, e-mail do Paciente de Londres. Quando questionado sobre sua resposta, ele disse: “quero, basicamente, que ele se sinta confortável e acolhido e quero dizer que está tudo bem. Espero que exista mesmo outro paciente curado para se juntar a essa nova família, porque por enquanto sou apenas eu. Espero que haja uma grande família de pessoas curadas do HIV.”

 

XIV Curso Avançado de Patogênese do HIV

Data: 10 a 17 de abril

Local: Faculdade de Medicina da USP – São Paulo

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Jéssica Paula (jessica@agenciaaids.com.br)