O Brasil vai na direção oposta da média mundial e registra, entre 2010 e 2018, um aumento no número de novas infecções por HIV. Os dados são do Unaids, a agência da ONU especializada na epidemia.

De acordo com os novos dados, o Brasil apresentou um aumento de 21% no número de novos casos em oito anos. O aumento ainda fez com que a América Latina registrasse, em média, um incremento de 7% nos novos casos de aids na região entre 2010 e 2018.

Os dados se contrastam com uma queda acentuada de novos casos em El Salvador (-48%), Nicarágua (-29%), Colômbia (-22%) ou Equador (-12%). Apenas Chile e Bolívia tiveram resultados mais preocupantes que o Brasil na região e, ainda assim, por uma margem mínima.

Sem o Brasil, a América Latina teria registrado uma queda de 5% no número de novos casos entre 2010 e 2018.

Em números absolutos, o Brasil registrou 44 mil novos casos em 2010. Em 2018, esse número foi de 53 mil. Por conta de seu tamanho, o País acabou influenciando a média latino-americana, que viu uma alta de 7% neste período. Em 2018, foram 100 mil novos casos na região, com 35 mil mortes.

O Brasil também foi na direção contrária do restante do mundo. Na média, a doença registrou uma queda de 16% no número de novos casos em oito anos. Em 2018, 1,7 milhão de pessoas foram infectadas pelo vírus no mundo, contra 2,1 milhões em 2010. Em seu auge, em 1997, 2,9 milhões de novos casos eram registrados por ano. Na África do Sul, o número de novos casos caiu em 40% desde 2010.

O Unaids ainda explica a forma de cálculo, indicando que as estimativas do País estão “baseadas em um modelo desenvolvido no Brasil até 2016 e amplia a tendência até 2018 com base em novos casos notificados, novos números de pessoas em tratamento e número de pessoas que tenham morrido”. O número se refere a casos diagnosticados de portadores do vírus.

César Nuñez, diretor-regional do Unaids para a América Latina e o Caribe, não deixa de elogiar os avanços registrados no Brasil nos últimos anos. “É importante reconhecer que o Brasil continua melhorando seus dados epidemiológicos e a forma como reporta essas informações estratégicas”, disse. “Isso certamente tem desempenhado um papel importante em nos ajudar a ter um quadro mais claro da epidemia de HIV no país”, disse.

Mas ele deixa claro que os desafios são reais. “A epidemia de HIV na América Latina está concentrada em populações-chave. Gays e outros grupos foram responsáveis por mais de 40% das novas infecções por HIV na região, o que também se reflete no contexto brasileiro”, explicou.

“O aumento de 21% dos novos casos no Brasil demonstra que, apesar de todos os avanços recentes no país na expansão do acesso ao tratamento como parte de sua estratégia de prevenção combinada, o Brasil precisará aumentar ainda mais essa já forte resposta para ser capaz de dobrar a curva de novas infecções”, alertou.

“Para alcançar um programa mais forte, acredito que o desafio do Brasil reside em adaptar uma resposta mais focada à epidemia com a introdução de abordagens inovadoras, mantendo uma plataforma sobre direitos humanos onde o estigma e a discriminação relacionados ao HIV são claramente abordados. Também será importante trabalhar ainda mais de perto com as comunidades mais afetadas pela epidemia”, indicou.

Hoje, no mundo, 54% dos novos casos ocorrem entre usuários de drogas, homossexuais, transgêneros, trabalhadores do sexo e prisioneiros. Essa é a primeira vez que mais da metade dos casos está registrado nessas “populações-chave”. Mas menos de 50% deles receberam algum tipo de serviços, incluindo prevenção. Na América Latina, eles representam 65% dos novos casos.

“A epidemia de HIV no Brasil está concentrada em populações-chave, de modo que todas essas questões também precisam ser levadas em conta ao analisar esse aumento constante de casos novos desde 2004”, aponta a entidade.

“O relatório mostra que foram obtidos ganhos contra o estigma e a discriminação relacionados com o HIV, mas as atitudes discriminatórias em relação às pessoas que vivem com HIV e as leis penais contra as populações-chave empurram as pessoas para as margens da sociedade. As atitudes discriminatórias em relação às pessoas que vivem com HIV e às populações-chave continuam a ser comuns em demasiados países. A discriminação nesses países é muitas vezes reforçada pelo assédio e pela violência”, explica.

Crise de Prevenção

A entidade também indica ainda que “o mundo também está a atravessar uma crise de prevenção”. Para responder a isso, o Unaids e o UNFPA lançaram em outubro de 2017 a Coalizão Global de Prevenção e o Brasil está entre os 25 países que fazem parte da iniciativa.

“Mais recentemente, de 10 a 14 de junho, o Programa Nacional Brasileiro fez uma revisão técnica abrangente de sua resposta à prevenção do HIV, organizando uma reunião de três dias com especialistas de universidades, sociedade civil, Unaids, OPAS e outras entidades da ONU”, explicou o Unaids. “As recomendações dessa revisão foram apresentadas à Secretaria de Vigilância em Saúde e incluem a necessidade de melhorar ainda mais a localização e a abordagem populacional, expandir a abordagem de prevenção combinada, expandir os serviços de testes e tratamento para alcançar os mais atrasados, melhorar o monitoramento do programa de prevenção e fortalecer o engajamento e aumentar o financiamento para a sociedade civil”, indicou.

“Finalmente, em relação à resposta ao tratamento na região, o Brasil tem um dos maiores níveis de supressão viral entre as pessoas vivendo com HIV em 2018, com 62%”, destacou.

No mundo, 37,9 milhões de pessoas vivem com a doença. Desde seu início, nos anos 80, 74,9 milhões de pessoas foram infectadas e 32 milhões delas morreram. Entre 2004, ano de maior número de mortes, e 2018, a queda foi de 55%. O total passou de 1,7 milhão para 770 mil.

Hoje, 79% das pessoas que vivem com o vírus sabem que foram contaminados. Novas infecções entre mulheres jovens entre 15 e 24 anos caíram em 25% desde 2010. Mas o Unaids considera que é inaceitável que 6,2 mil adolescentes e jovens mulheres sejam infectadas pela doença a cada semana. Só com programas de saúde sexual e reprodutiva é que, segundo a entidade, tal situação pode ser reduzida.

Entre 2010 e 2018, o número de pacientes com acesso ao tratamento passou de 7,7 milhões para 23,3 milhões, o que representa 62% de todas as pessoas infectadasdas.

Progresso Lento

Mas a entidade estima que o progresso tem sido lento e, em algumas regiões, o que se vê é o aumento de casos. Além do Brasil, a Ásia registrou uma alta de 29%, contra 10% no Oriente Médio.

Outra preocupação é o financiamento para prevenção e tratamento. Pela primeira vez, as agências internacionais voltaram a ver uma redução de recursos. Em 2018, a queda foi de quase US$ 1 bilhão. Em 2019, um total de US$ 19 bilhões foram gastos na resposta à Aids, deixando um buraco de US$ 7,2 bilhões no orçamento considerado como ideal para lidar com a doença.

A meta mundial de ter menos de 40 mil crianças afetadas em 2018 pela Aids não foi atingida. No ano passado, 160 mil novos casos da doença foram registrados entre menores. A meta também era de 1,6 milhão de crianças tivessem acesso ao tratamento. Mas o total chega a apenas 940 mil. 8,1 milhão de pessoas tampouco sabiam que estavam contaminadas.

“Precisamos de forma urgente uma liderança política para acabar coma aids”, disse Gunilla Carlsson, diretora-executiva do Unaids. Para ela, acabar com a epidemia vai ser possível se o foco for colocado nas pessoas, e não no vírus.

Fonte: UOL