A crise humanitária que afeta a Venezuela, a chegada em massa destes vizinhos ao Brasil e a indiferença global para o colapso econômico que tem dificultado o acesso a alimentos e medicamentos naquele país nos remetem a uma reflexão sobre o Dia da Discriminação Zero (Zero Discrimination Day) celebrado mundialmente neste 01 de março pelo Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV e a Aids) e outras organizações internacionais.

Sem nenhuma assistência à saúde em seu país de origem, centenas de venezuelanos têm atravessado a fronteira brasileira em busca de apoio humanitário e solidariedade. No entanto, a chegada em massa destas pessoas – em especial em Roraima – tem causado impacto no sistema de saúde pública local (já precário) e colocado em xeque a capacidade das instituições públicas em oferecer um tratamento digno a esta população.

Dados do Ministério da Saúde referentes às notificações de informações e agravos por país de origem registram que no último ano houve um aumento de 58% de venezuelanos que vivem com o HIV no território brasileiro. Em 2017 foram 36 casos notificados enquanto que em 2016 foram 15, totalizando 75 venezuelanos notificados vivendo com HIV.

Vale ressaltar que, para as pessoas que vivem com HIV e aids em qualquer lugar do mundo, acessar um serviço de saúde que ofereça o respeito integral aos direitos humanos é respeitar o seu direito à vida e à sua humanidade. Para o Estado, significa fortalecer a adesão ao tratamento e promover uma resposta eficaz à epidemia.

No Brasil, a ação contínua de forças religiosas e conservadoras para estancar os avanços relacionados às questões de gênero, raça/etnia e classe tem impactado negativamente na resposta à epidemia. O conservadorismo alimenta a xenofobia, o estigma, o preconceito e a discriminação. Detalhe: o país fora outrora modelo para o mundo.

O Brasil já garante o direito ao acesso ao tratamento do HIV e da aids por meio de uma legislação positiva que inclui estrangeiros (turistas, refugiados ou residentes no pais). A presença de venezuelanos nos remete à uma questão óbvia: como prover serviços e um tratamento de saúde dignos aos nossos vizinhos diante da xenofobia, do estigma e do preconceito?

É preciso que o Brasil cumpra com o compromisso legal de oferecer um tratamento digno e sem discriminação a todas as pessoas (brasileiras ou não) no sistema público de saúde, em especial as que vivem com o HIV. Devemos ser solidários neste momento a partir da ideia de solidariedade formulada pelo sociólogo Herbert de Souza (o Betinho), pautada pela participação, mobilização, protagonismo, respeito às diferenças e igualdade de direitos.

Neste Dia Mundial da Discriminação Zero, vamos celebrar o acolhimento e a solidariedade aos estrangeiros, com destaque para os refugiados, que vivem com HIV e aids. E fazer valer a saúde como um direito de todos e dever de um Estado comprometido com os princípios da universalidade, equidade e integridade que regem o nosso Sistema Único de Saúde (SUS).

Que a mobilização e a defesa dos direitos humanos sejam a força matriz na trincheira de luta por um acesso universal à saúde e uma sociedade mais justa e igualitária.

*Richard Parker é diretor-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA).