A jornalista e fotógrafa Céu Albuquerque foi a primeira pessoa interesexo no país a conseguir o direito de retificar seu nome e sexo na certidão de nascimento. De acordo com reportagem do g1, que acompanhou o momento em que a recifense de 32 anos foi retirar seu novo documento, ela já fez oito cirurgias para corrigir uma mutilação sofrida na infância. Mas o que, afinal, é uma pessoa intersexo e como a medicina tem tratado essa condição?
Segundo a definição do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos – ACNUDH, pessoas intersexo “nascem com características sexuais que não se encaixam nas definições tipicamente disponíveis para corpos masculinos ou femininos, podendo incluir características da anatomia sexual, órgãos reprodutivos, padrões hormonais e/ou cromossômicos”.
De acordo com especialistas, entre 0,05% e 1,7% da população nasce com essas características fora dos padrões de gênero. Esses traços podem surgir na fase pré-natal ou durante o parto, mas também podem aparecer durante a puberdade ou apenas em fases mais tardias da vida.
Historicamente, o termo “hermafrodita” vem sendo usado para definir essas pessoas, mas hoje é considerado pejorativo por muitas pessoas intersexo. Segundo a ONU, esses indivíduos muitas vezes passam por procedimentos de “normalização” que tentam fazer com que se encaixem nos estereótipos de sexo e gênero, que incluem a ideia de que mulheres devem poder ter penetração vaginal e os homens devem urinar em pé
Direitos
Em setembro de 2015, as ONU publicou a primeira nota informativa sobre direitos de pessoas intersexo. No ano seguinte, uma convocação da entidade foi enviada a governos do mundo inteiro pedindo a proibição de “cirurgias forçadas e coercitivas e outros procedimentos médicos desnecessários às crianças intersexo, especialmente em casos onde não houvesse consentimento”.
Entre as cirurgias de “normalização” ou “reconstrução genital” mais comumente usadas estão labioplastias, vaginoplastias, corte ou remoção do clitóris, gonadectomias (remoção de ovários ou testículos), “reparos” de hipospádias (abertura anormal da uretra), faloplastias e outras formas de cirurgias de aumento peniano, além de tratamento hormonal.
Um dos problemas desse tipo de cirurgia é que, na maioria dos casos, não há consenso médico sobre sua necessidade ou o melhor momento para realizar cada procedimento. Além disso, essas intervenções podem violar direitos quando ocorrem sem o consentimento completo e informado do paciente.
Entre as consequências que precisam ser consideradas nesse tipo de “adequação” está a esterilização forçada, considerada uma violação de direitos humanos fundamentais. “Por exemplo, a suposição de que uma mulher não deve ter testículos pode levar à realização de uma cirurgia, sem que seja dado consentimento, e sem que seja levado em consideração o seu futuro potencial de fertilidade com o uso de novas tecnologias”, diz a nota da ONU.
A “normalização” cirúrgica sem consentimento foi o caso de Céu Albuquerque, que é portadora de hiperplasia adrenal congênita, uma condição genética que afeta a produção de cortisol, influenciando o desenvolvimento sexual e a formação da genitália externa. Nascida no Recife, ela descobriu que é intersexo há quatro anos. Logo nos primeiros anos de vida, ela foi submetida a uma cirurgia de “adequação” do seu sexo biológico.
Casos famosos
Entre os casos públicos de pessoas intersexo está o da modelo Roberta Close, que fez uma cirurgia de redesignação de gênero em 1989. Em entrevistas, ela afirmou que exames de DNA comprovaram que, mesmo tendo um órgão genital masculino, ela também nasceu biologicamente com características hormonais atípicas, que levavam à pouca produção de testosterona.
No ano passado, a influenciadora e youtuber Karen Bachini publicou um vídeo em seu canal afirmando ser intersexo. Ela contou que possui os genitais e órgãos internos referentes ao sexo feminino, mas que não produz hormônios correspondentes. Ela lembra que, quando tinha 18 anos, procurou um médico porque tinha o ovário muito pequeno e não tinha glândula mamária e recebeu o diagnóstico de menopausa precoce.
Na primeira versão da novela “Renascer”, a personagem Buba (Maria Luísa Mendonça) era intersexo (na época, referido como “hermafrodita”). No remake atualmente no ar, a personagem é uma mulher trans interpretada pela atriz Gabriela Medeiros.
Fonte: O Globo