Parlamentares conservadores do Congresso Nacional se uniram para colocar em curso o movimento para diminuir o acesso a direitos humanos básicos de setores da nossa sociedade. A Frente Parlamentar Evangélica (que congrega parlamentares de outras religiões cristãs) recebe agora o apoio das bancadas ruralista e a das armas para confrontar decisões que estão na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF).
No dia 28 de setembro, o deputado federal Domingos Sávio (PL-MG) protocolou na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 50/2023, apelidada de “PEC do equilíbrio entre os poderes”. A proposta altera o artigo 49 da Constituição permitindo que o Congresso derrube, por maioria qualificada, decisões tomadas no Supremo que “extrapolem os limites constitucionais”.
A justificativa é que o Congresso seria o espaço adequado para legislar sobre temas que afetam a sociedade. Mas, ao criticar o que chamam de ativismo político do Supremo, deixam claro que o alvo está direcionado a temas bastante específicos. O casamento homoafetivo é um deles. Marco temporal e aborto legal também estão no pacote.
No último dia 10 de outubro, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara aprovou o projeto de lei que proíbe o casamento entre pessoas LGBTQIA+. Isso foi possível graças a uma manobra do presidente da comissão, deputado Fernando Rodolfo (PL-PE). Segundo parlamentares contrários ao projeto, havia um acordo para a criação de um grupo de trabalho para discutir o relatório e que a votação não aconteceria sem o debate.
Ao que parece, cumprir com acordos não faz parte da cartilha do presidente da comissão, que se identifica como “cristão e conservador” em suas redes sociais. E o parecer do relator Pastor Eurico Eurico (PL-PE) foi colocado em votação e aprovado com o apoio dos deputados religiosos e conservadores. O texto, cheio de citações bíblicas, usa três vezes o termo “homossexualismo” (usando o sufixo ismo que é relacionado a doenças) e menciona diretamente a homossexualidade como doença por cinco vezes. O deputado pastor também lamenta a retirada do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em tradução livre) dos Estados Unidos, na década de 1980.
“Percebamos o lamentável desfexo (o correto é desfecho) que se deu quando a militância político-ideológica se sobrepôs à ciência”, escreveu o relator.
A deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) criticou duramente a aprovação do texto. “Até os filhos de casais homoafetivos são atacados nesse relatório”. A deputada se refere ao trecho que diz que “as crianças que crescem sob a proteção de um casal homossexual são privadas do valor pedagógico e socializador da complementariedade natural dos sexos no seio da família”.
O projeto ainda passará por outras comissões antes de ser votado na Câmara, como a de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, da qual Hilton é vice-presidenta. Especialistas acreditam que o projeto não seja aprovado no Congresso, mas mostra como a pauta conservadora toma tempo do debate parlamentar e ameaça direitos humanos básicos de parte da sociedade, principalmente da população LGBTQIA+, como apontou a deputada Duda Salabert (PDT-MG). “Hoje, nós pessoas LGBT, sobretudo travestis e transexuais, ainda lutamos para conquistar essa categoria de humanidade. Só é humano aquele que tem direito. E quando querem tirar nossos direitos, querem justamente retirar a pouca porção de humanidade que nós conquistamos a muitas penas nos últimos anos”.
Hoje é a proibição do casamento homoafetivo. Amanhã será o quê? Já sabemos: o deputado “cristão conservador” Fernando Rodolfo quer ressuscitar o projeto do ex-deputado e pastor evangélico Ezequiel Teixeira (RJ), protocolado em 2016: a cura gay. O projeto prevê uma série de terapias que fariam a pessoa deixar de ser homossexual para se tornar heterossexual. E ainda tenta proteger de punições os profissionais que aplicarem a técnica. O deputado Pastor Eurico, o mesmo que escreveu o parecer favorável à proibição do casamento homoafetivo, já se habilitou para ser o relator do projeto. Oremos!
* Ana Trigo, jornalista, é mestra e doutora em Ciência da Religião (PUC-SP) e colaboradora do Observatório Evangélico.